INTRODUÇÃO
Este
trabalho tem como principal objetivo fazer uma abordagem do Livro O Primo Basílio sob uma
perspectiva sociológica, frisando os caracteres das personagens protagonistas da
obra e mostrando como a sociedade da época era representada nas nos romances
realistas. À luz da sociologia, a obra em pauta
é o espelho da sociedade, ou seja, ela descreve a realidade social da
burguesia.
A escola realista foi marcada
pelo desejo de redefinir as relações entre literatura e sociedade, de forma que
os leitores tomassem consciência de uma realidade que muitos não queriam ou não
podiam ver. O escritor realista tinha por função revelar os problemas, os
comportamentos e o funcionamento inadequado da sociedade da qual ele
também fazia parte.
A base teórica em que
se fundamenta este estudo é a teoria marxista, onde procurou-se enfatizar as relações entre
pessoas de classes sociais distintas, tendo como
foco principal as personagens: Luísa, representando a categoria de
patroa, e Juliana, a de empregada. Situação de subjugo ao qual Juliana nunca se
conformou, procurando de todas as formas mudar esse quadro, indo até mesmo de
encontro a ética e os bons costumes.
No campo da Teoria Literária, os teóricos que melhor
atendem à proposta deste trabalho são: Luiz Costa Lima; René Wellek;
Austin Warren, cujas obras se encontram listadas nas referências
bibliográficas.
A metodologia usada nas pesquisas que levaram
à elaboração desse trabalho, foram leituras em fontes bibliográficas impressas
e em fontes virtuais,
relacionadas tanto à obra em análise, O Primo
Basílio, quanto aos métodos da
análise sociológica na literatura, onde foram encontradas fontes valiosas
de informações. Além destes procedimentos,
foram também realizadas discussões entre os componentes da equipe e troca de e-mails.
ESTRUTURA
DA NARRATIVA NO ROMANCE O PRIMO BASÍLIO
Como
perspectiva de análise da estrutura da narrativa, aborda-se neste trabalho a
análise sociológica do romance “O Primo Basílio” de Eça de Queiroz, publicado em 1878. Este romance
constitui uma análise da família burguesa urbana no século XIX.
O escritor volta-se para a cidade, a fim de sondar e analisar
as mazelas da capital lisboeta, para
tanto, enfoca um lar burguês aparentemente feliz e perfeito, mas com bases falsas e
igualmente podres. A criação das personagens denuncia e acentua o compromisso de
O Primo Basílio com o seu tempo: a obra deve funcionar como arma de
combate social. A burguesia que era a principal consumidora dos romances nessa
época - deveria ver-se no romance e nele encontrar seus defeitos analisados
objetivamente, para, assim, poder alterar seu comportamento.
O enredo de O Primo Basílio conta sobre Jorge, um bem-sucedido engenheiro e funcionário
de um ministério
e Luísa, moça romântica e sonhadora, que
protagonizam o típico casal burguês de classe média
da sociedade lisboeta do século XIX. Casados e felizes, faltando apenas um
filho para completar a alegria do "lar do engenheiro", como era
chamada a residência do casal pela vizinhança pobre. Ao mesmo tempo que cultiva
uma união formal e feliz com Jorge, Luísa ainda mantém amizade com uma antiga
colega, Leopoldina – chamada a "Pão-e-Queijo" por suas contínuas
traições e adultérios. A felicidade e a segurança de Luísa passam a ser
ameaçadas quando Jorge tem que viajar a
trabalho para Alentejo.
Após a partida de seu esposo, Luísa fica enfadada
sem ter o que fazer, no marasmo e em uma melancolia pela ausência do marido, é exatamente nesse meio-tempo, que Basílio chega
do exterior. Conquistador e "bon vivant", o primo não leva muito
tempo para reconquistar o amor de Luísa (eles haviam namorado antes de Luísa
conhecer Jorge),ela era uma pessoa com uma forte visão romântica da vida, lia
apenas romances, Basilio apresentou-se como a chave para seus sonhos: rico,
morando na França, amoroso, tudo isso fazendo com que Luísa pratique o adultério.
Entrementes, Juliana espera apenas uma oportunidade para apanhar a patroa
"em flagrante".
Os encontros entre os dois se sucedem ao par da
troca de cartas de amor, uma das quais é interceptada por Juliana – graças aos
conselhos "sábios" de tia Vitória –, que começa a chantagear a
patroa. Transformada de senhora mimada em escrava, Luísa começa a adoecer. De
frágil constituição, os maus tratos que sofre de Juliana logo lhe tiram o
ânimo, minando-lhe a saúde.
Pode-se dizer que o livro O
Primo Basílio é um romance de influência do meio social sobre o indivíduo.
O autor descrevia o espaço físico e a sociedade e depois mostrava como o
personagem reagia a eles. Personagens
que podem ser consideradas o protótipo
da futilidade e da ociosidade daquela sociedade.
Personagens
·
Luísa: Representa a jovem romântica, inconsequente nas suas
atitudes, a adúltera e, no final, arrependida.
·
Jorge: Marido dedicado de Luísa, homem prático e simples, que
contrasta com a personalidade mundana e sedutora de Basílio.
·
Basílio: Dândi, conquistador e inrresponsável, "bon
vivant" pedante e cínico. Como todo dândi, Basílio procurava imitar um
estilo de vida aristocrático, decadente.Tinha uma preocupação latente em estar
bem vestido e arrumado.
·
Juliana: Personagem mais completa e acabada da obra, tem sido
vista como o símbolo da amargura e do tédio em relação à profissão. Feia,
virgem, solteirona, bastarda, é inconformada com sua situação e por isso odeia
a tudo e a todos, principalmente seus patrões. Não se detendo diante de
qualquer sentimento de fundo moral.
·
Sebastião: Personagem simpático que
permanece fiel a Jorge e ao mesmo tempo ajuda Luísa. Sebastião é o único que
não apresenta nenhuma crítica à socialidade lisboeta.
·
Julião: Parente distante de Jorge e amigo íntimo da casa, Julião
Zuzarte,assim como Juliana, representa o descontentamento e o tédio com a
profissão. Estudava desesperadamente medicina, na esperança de conseguir uma
clientela rica. Andando sempre sujo e desarrumado, Julião era invejoso e azedo.
·
Visconde Reinaldo: Amigo de
Basílio, era, como este, um dândi. Desprezava Portugal. Reinaldo representa o
pensamento aristocrático, o desprezo pelos valores burgueses, como a família e
a virtude.
·
Dona Felicidade: Amiga de
Luísa, cinquentona. Apaixonada perdidamente pelo Conselheiro Acácio.
Simbolizava, nas palavras do próprio Eça: "a beatice parva de temperamento
excitado".
·
Conselheiro Acácio: Antigo amigo do
pai de Jorge, Acácio é o arquétipo do sujeito que só diz obviedades. Pudico,
formal em qualquer atitude, rejeita friamente as investidas de Dona Felicidade.
Diz a todos que "as neves da fronte acabam por cair no coração". No
entanto, vive um romance secreto com sua criada.
·
Senhor Paula: Vizinho de Jorge. Junto com a
carvoeira e a estanqueira, passa o dia bisbilhotando quem entra e quem sai da
casa do "engenheiro". O surgimento de Basílio acaba virando um
espetáculo para eles.
·
Leopoldina: Amiga de Luísa, casada e
adúltera. Sempre em busca de novos prazeres e assim amantes, tem uma má
reputação, e é uma possível influência para o comportamento de Luísa.
Tem-se no romance um narrador heterodiégetico, ou
seja um narrador que para a Teoria Literária Tradiciona equivale a um narrador onisciente
na terceira pessoa, “Luísa espreguiçou-se.
Que seca ter de se ir vestir! Desejaria estar numa banheira de mármore
cor-de-rosa...”. Se percebe a onisciência do narrador, pois este demonstra
na obra que sabe tudo da vida dos personagens, inclusive seus pensamentos e
desejos, com tudo, tem-se um foco narrativo externo onde o autor apenas conta a
história mas não participa da mesma, mantém uma postura irônica, crítica, reforçando defeitos e
vícios de certos personagens, não permitindo que seja imparcial. A obra tem vários espaços, mas, Lisboa
é o cenário da crítica de Eça de Queirós; é o espaço da sociedade lisboeta por
onde transitam as personagens e onde elas expõem suas condições
sócio-econômicas e históricas. O Alentejo é o espaço que rouba Jorge de Luísa,
pois a trabalho ele a deixa num marasmo sem fim, fato este que a leva a sonhar
com outra vida. Paris
é o cenário que devolve Basílio à Luísa, trazendo alegria e a novidade de uma
vida de prazeres e aventuras.
O espaço que ganha maior destaque dentro da
sociedade portuguesa é a casa de Luísa e de Jorge e o Paraíso . A
primeira é o espaço do romance, onde acontecem as cenas entre Luísa e Juliana.
Já o Paraíso serve de contraponto da vida doméstica e do mundo das
alcovas, local onde Luiza e Basílio se encontravam discretamente e tinham seus
encontros amorosos. O tempo da narrativa é cronológico, com uma seqüência praticamente linear. Surgem quebras, ou
seja, alguns flach back quando Luísa recorda o passado, passando pelo namoro
com Basílio e o casamento com Jorge, ou quando o passado de Juliana é revelado
pelo narrador aos leitores, a fim de que estes possam compreender melhor a
revolta dela. No demais a narrativa acontece no período entre o namoro de Luísa, a morte da
mãe, o abandono pelo namorado, estendendo-se pelos três anos de seu casamento
com Jorge, até a viagem e volta desse, terminando com a morte de Juliana, logo
após a de Luísa e a volta de Basílio da França. A ação do romance passa-se no
final do século XIX.
Sob uma abordagem sociológica, a personagem Luísa,
mostra como o meio pode refletir sobre o indivíduo. Eça de Queiroz destaca bem
o referencial de mulher burguesa, fugindo completamente ao ideal que era proposto
no Romantismo. Luísa é branca, loira, oriunda de uma burguesia decadente,
preguiçosa e que explorava o trabalho doméstico da empregada, não apresentava
nehuma moral, pois, não se arrepende do adultério, seu suposto arrependimento
foi após o abandono de Basílio, quando já se encontrava debilitada, o que leva
a crer que simplesmente não queria perder a boa vida que tinha como senhora, ela não tinha consciência,
é leviana, produto de uma educação defeituosa que a tornou fútil, superficial e
moralmente indisciplinada.
Ainda sob a
perspectiva sociológica, focando na personagem da empregada, Juliana não se
conformava com sua condição de subordinada, é invejosa, curiosa, gulosa, e encontra,
em casa de Jorge e Luísa, o grande segredo de que sempre precisou. Apossando-se
dele, desforra em Luísa toda a mágoa que acumulara no decorrer dos anos,
inclusive a de ter conservado sua virgindade. Juliana é considerada um
personagem esférico, pois sua condição muda no decorrer da narrativa além de
lhe conferido o papel de uma heroína problemática.
“Sociedade organiza-se de modo a dar origem a duas classes
sociais: os burgueses e os trabalhadores”. Os primeiros são considerados
compradores da força de trabalho, enquanto os segundos são os que nada têm,
além de sua capacidade de trabalhar, a qual vende ao burguês em troca de um
“salário”. (MEKSENAS, Apud. 2001 p. 84),
Segundo
Marx (MEKSENAS, Apud. 2001) essas duas classes relacionam-se de modo a
criar um conflito, o que é percebido se nos atentarmos ao fato de que a
burguesia nunca paga ao trabalhador um salário condizente à sua força de
trabalho, visto que os trabalhadores são condenados a se alimentarem mal, a se
vestirem mal, a morar em péssimas condições e a ter uma saúde deficiente, como
é o caso de Juliana em O primo Basílio.
“O trabalhador, por sua vez, luta
por sua saúde: por arrancar mais um par de horas de descanso por dia, nas quais
poderá sentir-se humano, e não um animal nascido para trabalhar, comer e
dormir” (MEHRING, 2003, P. 23).
Assim, O primo
Basílio nos remete a uma leitura
sociológica na medida em que ficcionaliza estratos sociais, fato claramente
percebido nesse fragmento:
[...]
tenho passado anos e anos a ralar-me! Para ganhar meia moeda por mês, estafo-me
a trabalhar, de madrugada até à noite, enquanto a senhora esta de pânria! [...]
Há um mês me ergo com o dia, pra meter em goma, passar, engomar! [...] E a
senhora, são passeios, tipóias, boas sedas, tudo o que lhe apetece. (p.268).
Numa abordagem à luz do marxismo, o fato
percebido na relação entre Luísa e Juliana, mostra que o oprimido, levado pela
revolta de ser submisso e subjugado, utiliza ás vezes, de meios que vão de
encontro à ética e aos bons costumes, para conseguir a tão sonhada ascensão
social, isto é, a passagem do mundo dos dominados para o mundo dos dominadores.
Juliana reconhecia-se como explorada e quando o oprimido percebe-se como submisso
e subjugado e a partir de então começa a lutar por uma transformação, pode-se
dizer, que nesse momento, começa a luta de classes. O oprimido lutando por um
papel participante e legítimo na sociedade, ou seja, por uma vida melhor e do
outro lado à burguesia lutando para manter a hegemonia sobre a classe oprimida.
[...] odiou, sobretudo as patroas, com um ódio
irracional e pueril. [...] odiava a todas, sem diferença. É patroa e basta!
[...] cada riso delas era uma ofensa à sua tristeza doentia; cada vestido novo
uma afronta ao seu vestido de merino tingido. Detestava-as na alegria dos
filhos e na prosperidade da casa. Rogava-lhes pragas. (QUEIRÓZ, Eça. O
Primo Basílio, p. 43).
Esse fato é claramente percebido visto que o quarto poder (povo), representado
por Juliana, insurge contra o segundo poder (burguesia) representado por Luísa,
o que vai resultar numa luta de classes pautada na troca de papéis, onde quem começa
mandar é a criada. Juliana baseia-se na luta pela ascensão financeira, livre
dos limites “impostos” pela ética e pelos bons costumes. Para ela os valores só
são úteis até que sejam necessários para alcançar seus objetivos, nesse caso, ela
lança mão dos meios que julga necessários ou adequados para conseguir
alcançá-los.
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