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domingo, 9 de novembro de 2014

A LITERATURA DE VIAGEM

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
CENTRO DE EDUCAÇÃO LETRAS E ARTE-CELA
CURSO LETRAS PORTUGUÊS – 4º PERÍODO
DISCIPLINA LITERATURA PORTUGUESA II
DOCENTE ALZENIR MENDES RABELLO







A LITERATURA DE VIAGEM














RIO BRANCO – ACRE
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
CENTRO DE EDUCAÇÃO LETRAS E ARTE-CELA
CURSO LETRAS PORTUGUÊS – 4º PERÍODO
DISCIPLINA LITERATURA PORTUGUESA II
DOCENTE ALZENIR MENDES RABELLO





A LITERATURA DE VIAGEM

ADRIANA ALVES DE LIMA













RIO BRANCO – ACRE
JANEIRO/2010

LITERATURA DE VIAGEM
1.      Do que trata a literatura de viagens do período Humanista à Era Moderna?
A literatura portuguesa de viagens radica na atividade dos descobrimentos marítimos e na necessidade pragmática de registrar rotas, condições atmosféricas, acidentes da costa e todos os elementos que pudessem facilitar a repetição e prosseguimento dos percursos, entretanto efetuados.
Assim, os roteiros e os diários de bordo, documentos técnicos para orientação náutica, são os antecedentes desta literatura, que, no entanto, começa já nesses textos a emergir em comentários que alargam a pura notação descritiva, em apontamentos de pitoresco, em descrições surpreendidas ou em segmentos narrativos que dão conta de certo empenho na relação entre o sujeito perceptivo e o mundo que lhe vai sendo revelado.
Na seqüência destas obras, ou, talvez melhor, na seqüência da regularidade e multiplicação das viagens (dado que a sua divulgação era restrita e, em muitos casos, se tornava confidencial pela política de sigilo dos descobrimentos), aparecem autênticas relações de itinerários e percursos, por mar ou por terra, mas matricialmente desencadeados pelas viagens ultramarinas, que aliam por vezes o interesse documental a procedimentos narrativos que adquirem, sobretudo, para o leitor de hoje, efeitos de ordem literária.
O estabelecimento de comunidades portuguesas em diferentes latitudes foi, inicialmente, uma nítida conseqüência dos Descobrimentos, não sendo também de estranhar que estes hajam contribuído para que tivesse sido em língua portuguesa que se fosse desenhando um gênero literário só séculos depois entendido como tal noutros países e a que freqüentemente se viria a associar a historiografia. A Carta do Descobrimento do Brasil, na verdade um conjunto de cartas que Pêro Vaz de Caminha (? -1501?) enviou ao rei D. Manuel I (1469-1521) em 1501, é, no fundo, um exemplo perfeito de Literatura de Viagem, com a descrição pitoresca da paisagem e dos costumes que os Portugueses encontraram no Brasil.
Não será mesmo deslocado dizer-se que tal tipo de obras foi uma significativa contribuição portuguesa para o Renascimento em nível da literatura, já que, numa época em que a imprensa se desenvolve e floresce o espaço literário, com dicionários, gramáticas, ensaios filosóficos, foram relevantes os dados científicos fornecidos em livros que davam a conhecer culturas muito diferentes de continentes como a África, a Ásia ou a América do Sul.
Por outro lado, os escritores «canônicos» (escrevendo com uma intenção determinadamente literária) centraram muitas das suas obras na problemática da viagem dos descobrimentos, como é o caso de Gil Vicente nomeadamente no Auto da Índia e, sobretudo, de Luís de Camões que dela faz a trama fundamental em Os Lusíadas. Também os cronistas não podem deixar de reelaborar essa matéria, por vezes em páginas que são das mais importantes, mesmo sob o ponto de vista estético, deste capítulo: Gomes Eanes de Zurara na Crônica da Guiné, João de Barros na Ásia.
Caso particular desta literatura é a proliferação que, durante a segunda metade do séc. XVI, e até mais tarde, conhece um gênero específico das nossas letras, o do relato de naufrágios (constituído por uma narrativa específica e exclusiva de naus que naufragam, com descrição pormenorizada das reações humanas a que o naufrágio dá lugar, e do esforço trágico, por vezes baldado, pela sobrevivência); o mais antigo que se conhece, de 1554, é o do Galeão Grande São João, conhecido por Naufrágio de Sepúlveda, de autor anônimo; outros, porém, merecem beneficiar igualmente da atenção da análise literária, pela raríssima capacidade de escrita do patético, pela descrição paralela do movimento físico e psicológico, pela aliança de uma crença inabalável na missão militar e religiosa do espírito de conquista com um pendor pessimista e desenganado que neles figuram a contra-epopeia lusíada: Relação do Naufrágio da Nau Santiago, de Manuel Godinho Cardoso, Relação do Naufrágio da Nau São Bento, de Manuel de Mesquita Perestrelo, Relação do Naufrágio da Nau Conceição, de Manuel Rangel. Publicados em folhetos avulsos, são reunidos no séc. XVIII por Bernardo Gomes de Brito na História Trágico-Marítima, em dois volumes (1735-36).
Em toda esta literatura, porém, avulta uma obra excepcional, a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, publicada em 1614, mas escrita antes de 1580.
E será importante não esquecer a fecundidade com que esta literatura tocou a posterior produção portuguesa, quer na consagração de «topoi» diversos (como no caso do «romance marítimo», iniciado entre nós por Francisco Maria Bordalo, com Eugênio, de 1846, e bastante cultivado na segunda metade do século XIX), quer em desenvolvimentos temáticos que ocupam os vários gêneros, quer ainda em particularizações que têm a ver com escolhas individuais de autores, mas também com períodos específicos da cultura, ou de homenagem ou de deploração da época dos descobrimentos, em viagens de exploradores oitocentistas ou de escritores de todas as épocas, em reescritas de consonância ideológica (Afonso Lopes Vieira, Onde a Terra se Acaba e o Mar Começa 1940), de evocação nostálgica (Sophia de Mello Breyner Andresen, Navegações, 1988) ou de intenção paródica (António Lobo Antunes, As Naus, 1988).

LITERATURA DE VIAGEM NO HUMANISMO:
A época do humanismo inicia-se em 1418, quando D. Duarte nomeia Fernão Lopes para as funções de Guarda-Mor da Torre do Tombo, e termina em 1527, quando Sá de Miranda, retornando da Itália, inicia em Portugal a campanha em prol da cultura clássica. No seu discurso, em que se opera a implantação da idéias humanísticas, cultivam-se a historiografia, a prosa doutrinária, a poesia, o teatro e a “temporã novela de cavalaria” Amadis de Gaula.
Historiografia – A atividade historiográfica, que na época do Trovadorismo não passara da fase embrionária e improvisada, entra agora em sua fase madura, graças a Fernão Lopes, seguido de Gomes Eanes de Azurara e Rui de Pina.
Fernão Lopes – Pouco se conhece de sua biografia. Como vimos em 1418 D. Duarte nomeia-o Guarda-Mor da Torre, e em 1434 incube-o de escrever a crônica dos reis da primeira dinastia. Faleceu depois de 1459. De suas obras, apenas três nos restaram: Crônica d’El-Rei D. Pedro, Crônica d’El-Rei D. Fernando e Crônica d’ El-Rei D. João I (até 1411).
Fernão Lopes Como burocrata ao serviço do Rei e da Corte, ele se apresentava como guardador das escrituras do Tombo, isto é, responsável pela conservação do Com seu encargo de cronista, na verdade o que percebemos é que o cronista descreve o assassinato de Inês, não como uma simples execução, o cronista de uma maneira peculiar sua indignação pela morte da mesma, observe-se que ele poderia descrever como uma execução de qualquer outra pessoa, mas há fragmentos que ele usa palavras que dão ênfase que foi um assassinato, cruel na ausência de D. Pedro. E o mesmo justifica o que D. Pedro fez utilizando a palavra “dor” sendo este o motivo pelo qual chamaríamos de “vingança”. Essa é uma linguagem que causa no leitor não uma sensação de horror, mas o faz entender que D. Pedro fez tudo isso por dor e indignação. Vale ressaltar que a importância da escolha dessa crônica é porque esse fato acontece na ausência de D. Pedro, que está numa expedição, ou seja, em uma viagem.
Filho de Afonso IV, D. Pedro I reinou entre 1357 e 1367. Aos vinte anos, casou-se com D. Constança, filha do Infante João Manuel, regente da Castela. Entre as damas de companhia contava-se Inês de Castro, filha do fidalgo galego Pedro Fernandes de Castro, da qual D. Pedro logo se apaixonou. Mas seu pai, que então reinava, interpôs-se. Com o falecimento de D. Constança , em 1345, os enamorados passaram a entreter livremente os seus amores. Todavia, o rei se deixa convencer por seus conselheiros, a permitir o assassínio de Inês, que se consumou a 7 de janeiro de 1355. Enfurecido de dor e indignação, D. Pedro, quando já erguido ao trono, conseguindo aprisionar os matadores de Inês, ordenou que morressem com tal sadismo que ele acabou merecendo os epítetos de “O Cruel” e “O Justiceiro”. Nem por isso amainaram as saudades de Inês: torturado pela ausência passava as noites e noites de horrores e pressentimentos, de que se julgava livrar saindo às ruas para dançar e confraternizar com o povo (Crônicas de D. Pedro e D.Fernando, 2ª ed., Lisboa, Bertrand, 1921, pp.3 1-34)
Estas passagens, das mais sugestivas de quantas oferecem o retrato de D. Pedro, convida a observar algumas das características marcantes da obra historiográfica de Fernão Lopes.

A etapa que com ele se inaugura, é das mais importantes da história de Portugal, entre outras coisas porque veio a constituir-se numa franca e profunda renovação da cultura portuguesa. Rei culto, determinado, empreendedor, entendeu logo o significado do apoio régio ao desenvolvimento das Letras. Tanto é assim que, além de ele próprio dar o exemplo escrevendo o Livro da Montaria, propiciou a formação dum clima mental que; continuado por seu filho, D. Duarte (que subiu ao trono em 1433), condicionou o aparecimento duma figura como Fernão Lopes, que dá início e dimensão à nova época da Literatura Portuguesa. Esta época se caracteriza fundamentalmente por um processo de humanização da cultura. Na verdade, o século XV português corresponde, em consonância com o resto da Europa, ao nascimento do mundo moderno, na medida em que inaugura um tipo de cultura preocupado com o homem, seja enquanto indivíduo seja enquanto coletividade.
É certo que a concepção teocêntrica de vida, isto é, tendo Deus como escala de valores, continua vigente, mas já começam a despontar atitudes contraditórias diretamente centradas no homem. Contribui para isso a euforia provocada pelas descobertas e pelas conquistas ultramarinas, iniciadas com a tomada de Ceuta em 1415 e só terminada no século seguinte.
 A cultura torna-se laica em grande parte de suas expressões; e a educação do homem, fidalgo, sobretudo, constitui o objetivo da literatura moralista então escrita; nas crônicas de Fernão Lopes, o povo, a massa popular, comparece pela primeira vez. Uma onda de realismo, de terrenalismo, de apego à natureza física, eleva-se para se contrapor ao transcendentalismo anterior: as crônicas, a poesia e especialmente o teatro vicentino documentam à saciedade essa mutação histórica, identificada com o fato de o acento tônico da cultura se transferir para o homem enquanto homem e não para o homem concebido à imagem e semelhança de Deus. Na segunda metade do século, os traços de cultura greco-latina surgidos, por exemplo, em Azurara e Rui de Pina, testemunham a presença desse humanismo em marcha, que vai constituir uma das mais importantes linhas de força da época literária seguinte.

NO CLASSICISMO
A literatura de Viagens – A euforia dos descobrimentos gerou, como se sabe, a crônica ultramarina, encetada por Azurara, e também uma avalanche de documentos oscilantes entre ficção mais desabrida e a historiografia mais fidedigna. Parte dessa vária biblioteca informativa das novas terras entrevistas veio a ser coletada na História Trágico-Marítima (2 vols., 1735-1736), por iniciativa de Bernado Gomes de Brito (1688-?). Outros autores no gênero: Jerônimo Corte-Real, Francisco Álvares, Fernão Cardim. Estes representavam, por exemplo, a História Trágico-Marítima, coletânea de relatos e naufrágios ocorridos nos séculos XV, XVI e XVII, organizada por Bernardo Gomes de Brito (1688-?), muitos nomes foram importantes, mais sem dúvida o mais importante de todos os representantes de todo o gênero é Fernão Mendes Pinto (1510? -1583), é o autor de uma das obras mais significativas do século XVI e de toda a literatura de viagens de qualquer tempo: Peregrinação (1614), como é abreviadamente.
Esse fragmento do texto só reforça a idéia anterior, no que diz respeito às aventuras vividas pelos viajantes, o qual serve de inspiração para a obra. Fernão Mendes Pinto escreveu a obra no fim da vida, como herança aos filhos, “para que eles vejam nela estes meus trabalhos e perigos da vida que passei no decurso de vinte anos”. Com efeito, viajou entre 1537 e 1558 por várias partes da África e Ásia (Abissínia, Arábia Feliz, Malaca, Sumatra, Java, Pegu, Sião, China, Índia, Japão), sempre acentuado de sentido aventuresco.
De acordo com o texto percebe-se que os méritos atribuídos Fernão Mendes Pinto se dá devido ao seu relato pretensamente sincero, vivo, realista, fruto das próprias experiências, e isso atrai o leitor pelo pitoresco, pelos episódios em torno de variadas aventuras, a narrativa,” o estilo descuidado, impressionista, construído hora a hora, ao sabor das circunstâncias e do estado de espírito do escritor”.
Peregrinação
O título da obra, longo como era hábito naqueles recuados tempos, declara o seguinte: Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, em que dá conta de muitas e muito estranhas cousas que viu e ouviu no reino da China, no da Tartária, no do Suradm, que vulgarmente se chama Sião, no do Calaminhão, no de Pegu, no de Pegu, no de Martavão, em outros muitos reinos e senhorios das partes orientais, de que nestas nossas do Ocidente há muito pouca ou nenhuma notícia. E também se dá conta de muitos casos particulares, etc., O enovelamento dos episódios constituintes da obra, e o seu transcorrer numa geografia imaginária e segundo uma cronologia confusa, se manifestam pelo mero enunciar do título. Fugido de casa, o nosso herói mete-se numa caravela, que é logo depois apreendida por corsários franceses nas cercanias de Setúbal. Liberto numa praia alentejana entra no serviço de D. Jorge, filho bastardo de D. João II. Em 1537, segue para a Índia, onde tem começo a sua fantástica peregrinação, em grande parte vivida na companhia do pirata Antonio de Faria, protagonistas do episódio seguinte, dos mais pitorescos e incríveis de quantos compõem o relato de Fernão Mendes Pinto, localizado entre os capítulos LXXV E LXXVIII, intitulados “Como chegamos a esta ilha de Calemplui e da maneira ordem, sítio e fábrica dela”. “Do mais que Antônio de Faria passou nesta ermida até se embarcar”. “Como esta primeira noite fomos sentidos, e por que causa, e do mais que sucedeu sobre isso”:
A obra trata da chegada e da estadia de Fernão Mendes Pinto no Oriente. Assim pois apresenta-nos o relato das expedições dos descobridores e conquistadores portugueses. A imagem dos navegadores portugueses que perpassa nesta obra é sobretudo picaresca, assumindo-se o herói como um anti-herói, capaz das piores façanhas para lograr os seus objectivos, geralmente pilhar e roubar as populações nativas para enriquecer e regressar à pátria.

Peregrinação
Depois de embarcado Antônio de Faria e nós todos com ele, que seria já quase às Aves-Marias, nos passamos a remo à outra parte da ilha, e surtos dela obra de um tiro de falcão, nos deixamo assim estar até quase meia-noite, com determinação, como já atrás disse, de tanto que ao outro dia fosse manhã tornarmos a sair em terra, e cometer as capelas dos jazigos dos Reis, que estavam de nós menos de um quarto de légua, para nelas carregarmos ambas as embarcações.(Peregrinação e outras Obras, 2 vols., Lisboa, Sá da Costa, 1962, vol. II, pp. 67-69, 74, 76-77, 77-78, 79-82.)
O nível mais literário é, sem dúvida, Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (1509-1583) que se distingue. Publicado em 1614, o livro, cujas aventuras (protagonizadas pelo próprio Mendes Pinto) já eram conhecidas no tempo de vida do autor, foi durante séculos considerados fruto duma imaginação fértil e não, como afinal o progressivo conhecimento das civilizações orientais veio a provar, o relato de costumes e fenômenos naturais de paragens tão longínquas como a China e o Japão. Redigido num estilo extremamente vivo e pleno de exotismo, o livro revela uma personalidade bastante avançada para o seu tempo, no profundo respeito por outras culturas e num ecumenismo que as gerações posteriores não vieram, infelizmente, a pôr em prática.
Fernão Mendes Pinto, que embora protagonista da obra nunca se assume como num herói, não se coíbe de criticar a ação muitas vezes violenta dos Portugueses no Oriente, em contraste com a tolerância e o sentido de verdadeira religiosidade dos orientais.
NO BARROCO
 Inicia-se em 1580, quando Camões morre e Portugal perde sua autonomia para a Coroa espanhola, e termina em 1756, quando se funda a Arcádia Lusitana. Constituindo-se o Barroco numa tentativa de fusão harmônica entre duas linhas de força que orientavam a cultura renascentista (a medieval e a clássica, respectivamente teocêntrica e antropocêntrica), durante a sua vigência cultivaram-se a oratória, a prosa doutrinária, a poesia, a historiografia, a epistolografia e o teatro.
Historiografia – Com a passagem de Portugal para o domínio espanhol (1580-1640), atividade historiográfica perdeu seu caráter ufanista que adquirira na Renascença e, concentrando-se principalmente em conventos e mosteiros, enveredou pelos estudos de individualidades e assumiu feição medievalizante e obscurantista. Não poucos nomes podem ser alinhados neste particular, mas somente cabe deter a atenção em Frei Luís de Souza e na chamada “historiografia de Alcobaça”.
Frei Luís de Souza – Manuel de Souza Coutinho, este o seu nome antes de abraçar o sacerdócio, nasceu em Santarém, ao redor de 1555, e faleceu em 1632. Soldado serviu a Felipe II na Espanha. De regresso, casou-se (1583) com D. Madalena de Vilhena, viúva de D. João de Portugal, dado como desaparecido durante batalha de Alcácer-Quibir (1578). Em 1613, falecida sua única filha, ambos resolveram professar, entrando ele para o convento S. Domingos de Benfica e ela, para o Sacramento. Quer a lenda, porém, que a decisão fora tomada em virtude de um peregrino, vindo da Palestina comunicar a D. Madalena de Vilhena que seu marido ainda vivia em Jerusalém. No recolhimento do claustro, Manuel de Sousa Coutinho, agora Frei Luís de Sousa, mete ombros na execução de sua obra historiográfica: Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires (1619), História de São Domingos, Particular do Reino e Conquistas de Portugal (1623, 1662 e 1678), Anais de D. João III (publicados em 1844), Vida do Beato Henrique Suso (17640; ainda escreveu outras obras, mas que se perderam, como a Vida de Sóror Margarida do Sacramento e Considerações das Lágrimas que a Virgem Nossa Senhora Derramou na Segunda Paixão.
            Embora diminuto, esse trecho basta para oferecer-nos uma idéia da “maneira” de Frei Luís de Sousa e do seu lugar nos quadros da Literatura Portuguesa: enquanto historiador, despreza a erudição balofa que fazia as delícias dos confrades do tempo; por momentos, tem-se a impressão de regressar a Fernão Lopes, sobretudo pelo descontraimento narrativo e a vivacidade próxima da ficção novelesca (inclusive com o recurso dramático do diálogo); entretanto, como historiadores, os dois diferem substancialmente; decerto, Frei Luís de Sousa baseou-se em documentos, mas com uma liberdade que o torna menos importante como historiador que como estilista ou mestre do vernáculo. Na verdade, era senhor dum estilo que à custa de abrigar expedientes da língua falada, mas apurando-os rigorosamente, constitui um paradigma da melhor prosa aparecida até Garrett; seu mérito reside antes nas superiores qualidades de estilo, que no processo historiográfico; bem por isso, suas obras se lêem com agrado literário, tal a amenidade, a fluência e a pureza da linguagem, e não como fonte historiográfica; contudo, é pouco para situá-lo acima de outros prosadores estritamente literários.

                                 Anais de D. João III
É caso digno de ficar na lembrança o que um dia destes sucedeu a D. Jorge de Noronha  com o valente Amelix. Estava D. Jorge doente de sezões: não consentiu o conde que cavalgasse, por muito que o desejou, por se lhe não agravar o mal.Saiu o conde deixando-o na cama, e ficando acompanhado do médico; mas ele disse ao médico que se houvesse repique não haveria febre nem frio que lhe tolhesse acudir ao campo. O que sendo ouvido pelo médico, lhe aconselhou que, pois assim o determinava, seria melhor irem-se ambos passeando devagar até o facho, que não depois que repicassem correndo. Pareceu bem bem a D. Jorge a razão; mandou-lhe dar um dos seus cavalos e foram devager, caminho do facho.
Não chegavam bem às tranqueiras quando o facheiro, gritando quanto podia, deixou cair o facho, e vindo-se pêra a vila, disse a D. Jorge que as atalaias do Corvo vinham com pressa demandar o vale; porque sete ou oito mouros vinham atalhando. Apertou D. Jorge as pernas ao cavalo e foi-se correndo pêra onde o facheiro dizia, senão quando, chegando à tranqueira de baixo, viu um mouro abraçado com o atalaia, que ao parecer trabalhava como em luta pólo cativar e tomar vivo, e ele forcejava por se defender conquanto estava cercado de outros sete mouros.
 ( Anais de D. João III, 2 vols., Lisboa, Sá da Costa, 1938, vol. I, pp. 211-212.)
Embora diminuto esse trecho baste para oferecer-nos uma idéia da “maneira” de Frei Luís de Sousa e do seu lugar nos quadros da Literatura Portuguesa: enquanto historiador despreza a erudição balofa que fazia as delícias dos confrades do tempo; por momentos, tem-se a impressão de regressar a Fernão Lopes, sobretudo pelo descontraimento narrativo e a vivacidade próxima da ficção novelesca (inclusive com o recurso dramático do diálogo); entretanto, como historiadores, os dois diferem substancialmente; decerto, Frei Luís de Sousa baseou-se em documentos, mas com uma liberdade que o torna menos importante como historiador que como estilista ou mestre do vernáculo. Na verdade, era senhor dum estilo que à custa de abrigar expedientes da língua falada, mas apurando-os rigorosamente, constitui um paradigma da melhor prosa aparecida até Garrett; seu mérito reside antes nas superiores qualidades de estilo, que no processo historiográfico; bem por isso, suas obras se lêem com agrado literário, tal a amenidade, a fluência e a pureza da linguagem, e não como fonte historiográfica; contudo, é pouco para situá-lo acima de outros prosadores estritamente literários.

NO ARCADISMO

Luís antônio Verney, de ascendência francesa, nasceu em Lisboa, em 23/7/1713. Formando-se em Artes e Teologia pela Universidade de Évora, em 1736 seguiu para Roma a fim de continuar seus estudos. Planeja então escrever uma eespécie de enciclopédia pedagógica, em que pudesse oferecer as chaves para uma renovação da cultura e da mentalidade portuguesa coeva.

Verdadeiro Método de Estudar
Acham-se, é verdade, nos antigos, muitas e mui insulsas. Aristóteles, na sua Retórica, aponta algumas, a que chama Paragramas, Cícero, no livro 2º De Oratore, tratando das facécias do Orador, indica outras muitas; e ele mesmo, em várias partes das suas obras, serve-se delas; porque este era o seu defeito – ser muito faceto -, e com as suas facécias aquistava perigosos inimigos. Mas devo dizer, em obséquio da verdade, que as que ele aponta quase todas são frioleiras ridicularias, que não merecem nome de pensamento engenhoso. E, se V.P. me não crê, leia o dito livro, e achará que lhe digo a verdade. Estas venialidades, em que caíram estes grandes homens, são recompensadas com infinitas boas qualidades, que neles vemos; e são também desculpáveis por outro princípio, que é a falta de crítica que tiveram os Antigos. Aqueles engenhos elevados dos primeiros autores não faziam todas as   reflexões necessárias para procederem com exação; pelo contrário, os que os seguiram, ainda que inferiores na grandeza de engenho, excedem no método e na crítica, e souberam evitar os defeitos dos primeiros.   ( Verdadeiro Método de Estudar, Lisboa, Sá da Costa, vol. II, pp. 233-235.)

NO ROMANTISMO
Originário da Escócia e da Alemanha, o Romantismo foi introduzido em Portugal por Garrett, em 1825, co a publicação do poema de Camões. Seu término ocorre por volta de 1865, quando se instala a reforma realista. Durante esses quarenta anos, três são as configurações assumidas pela estética romântica: a primeira, em que ainda permanecem atuantes alguns valores neoclássicos, é representada pó Garrett, Herculano e Castilho, e transcorre mais ou menos entre 1825 e 1838; a segunda, em que se aglutina o chamado Ultra-Romantismo, é representada especialmente por Soares de Passos e Camilo Castelo Branco, e vigora entre 1838 e 1860; a terceira, em que se opera a transição para o Realismo, é representada, sobretudo por João de Deus e Júlio Dinis, e ocupa a década de 60. O Romantismo português acompanha as linhas gerais do movimento europeu, mas adaptando-o à conjuntura sócio-econômico-cultural delineada nos capítulos precedentes.
                                  Viagens na Minha Terra
 O vale de Santarém é um destes lugares privilegiados pela natureza, sítios amenos e deleitosos em que as plantas, o ar, a situação, tudo está numa harmonia suavíssima e perfeita: não há ali nada grandioso nem sublime, mas há uma como simetria de cores, de sons, de disposição em tudo quanto se vê e se sente, que não parece senão que a paz, a saúde, o sossego do espírito  e o repouso do coração devem viver ali, reinar ali um reinado de amor e benevolência. As paixões más, os pensamentos mesquinhos, os pesares e as vilezas da vida não podem senão fugir para longe. Imagina-se por aqui o Éden que o primeiro homem habitou com sua inocência e com a virgindade do seu coração...
-”Ali não há ninguém – ninguém que se nomeie hoje, mas houve...oh! Houve um anjo, um anjo que deve estar no céu”.
-”Bem dizia eu que aquela janela...”
-”É a janela dos rouxinóis.”
-”Que lá estão a cantar.”
-”Então, esses lá estão ainda como há dez anos – os mesmos ou outros, mas   a menina dos rouxinóis foi-se e não voltou”.
-”A menina dos rouxinóis! Que história é essa? Pois deveras tem uma história aquela janela?”
-”É um romance todo inteiro, todo feito como dizem os franceses, e conta-se em duas palavras.”
-”Vamos a ele. A menina dos rouxinóis, menina com olhos verdes! Deve ser interessantíssimo. Vamos à história já.”
-”Pois vamos. Apeemo-nos e descansemos um bocado.”
Já se vê que este diálogo passava entre mim e outro dos nossos  companheiros de viagem. Apeemo-nos com efeito; sentamo-nos; e eis aqui a história da menina dos rouxinóis como ela se contou.

. (Viagens na Minha Terra, Lisboa, Portugália, 1963, pp. 70-74.)
Incerta a classificação desta obra, mista de jornalismo, literatura de viagens, diário íntimo e prosa de ficção. Publicada em 1846, seu fio narrativo compõe-se de uma viagem levada a efeito por Garrett em 1843 entre Lisboa e Santarém, a convite do político Passos Manuel. Repartida em 49 capítulos, como que escritos ao sabor da viagem, o obra relata as peripécias ocorridas entre aquelas duas cidades e as reflexões que elas desencadeiam na mente do viajante, acerca dos mais variados assuntos, desde o amor até à política. Ao chegar a Santarém, o narrador toma conhecimento da história amorosa da Joaninha dos olhos verdes, a “menina dos rouxinóis”, e de seu primo Carlos: ambos se apaixonam, mas ele julga-se preso ao sentimento de Georgina, que ficara na Inglaterra, por fim, desfeito o impasse, Georgina entra para o convento e Joaninha morre, enquanto Carlos, recomposto do transe, retoma sua trajetória de dândi e homem público. O trecho que se vai ler constitui o capítulo X, em que se anuncia a história da Joaninha; é precedido de um sumário da própria lavra do escritos:
O trecho exemplifica a perfeição uma prosa enxuta, direta e palpitante, prosa emocional, posta à prosa intelectual, vigente até o século XVIII. Prosa liberal, desataviada, numa palavra, romântica, ou seja, composta pela imaginação e pela idealização.
O romantismo de Garrett consistia antes num hábito ou na adesão às modas que numa tendência profunda de temperamento: no mais íntimo de sua visão do mundo seria um homem clássico, ou muito moderado e frio para ser medularmente romântico. De resto, as próprias qualidades do estilo guardam uma como superficialidade diplomática que não se compadecia com a anarquia mental implantada pelo Romantismo. De qualquer modo, Garrett fez escola pelo que escreveu e pregou não pelo que foi. E isso é bastante para distingui-lo entre os escritores do tempo e no conjunto da Literatura Portuguesa.
Pode reduzir-se à história sentimental de um rapaz que se apaixona de um modo sucessivo ou simultâneo, mas intenso, por várias mulheres, e se sente incapaz de estancar este constante fluir do seu desejo, de fixar e estabilizar a sua personalidade afetiva. O herói quer sinceramente continuar fiel pelo coração ao seu amor precedente, quer, sentindo-se à deriva num fluir sentimental incessante, deitar a mão a uma corda de salvação. Mesmo nos momentos de delírio febril causados por uma grave ferida em combate, esse querer sentimental se manifesta subconsciente ao apertar com força uma recordação oferecida pela mulher que, dizia ele, "ainda amava". O diálogo de Carlos e Georgina, quando ele recuperava a consciência, é notável como revelação deste conflito íntimo.
Ninguém, antes de Garrett, na ficção portuguesa, entrara tão sutilmente na análise do que há de convencional, fictício ou autêntico na vida sentimental, na confusão de verdade e de mentira, de vida atual e de sobrevivência que é o todo afetivo de cada indivíduo; e ninguém pôs em termos tão agudos o problema do desgarrar da personalidade na mudança de tudo, ligando-o, ao mesmo tempo, ao cepticismo superveniente a uma causa generosa que degenera.

REFERÊNCIAS:
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa através dos textos. 24ª Ed. Cultrix. São Paulo. 1996.
Pesquisa ON Line: In História da Literatura Portuguesa. 2002. Porto Editora. Ltda.





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