UNIVERSIDADE
FEDERAL DO ACRE
CENTRO
DE EDUCAÇÃO LETRAS E ARTE-CELA
CURSO
LETRAS PORTUGUÊS – 4º PERÍODO
DISCIPLINA
LITERATURA PORTUGUESA II
DOCENTE
ALZENIR MENDES RABELLO
A
LITERATURA DE VIAGEM
RIO
BRANCO – ACRE
2010
UNIVERSIDADE
FEDERAL DO ACRE
CENTRO
DE EDUCAÇÃO LETRAS E ARTE-CELA
CURSO
LETRAS PORTUGUÊS – 4º PERÍODO
DISCIPLINA
LITERATURA PORTUGUESA II
DOCENTE
ALZENIR MENDES RABELLO
A
LITERATURA DE VIAGEM
ADRIANA
ALVES DE LIMA
RIO
BRANCO – ACRE
JANEIRO/2010
LITERATURA
DE VIAGEM
1. Do
que trata a literatura de viagens do período Humanista à Era Moderna?
A literatura
portuguesa de viagens radica na atividade dos descobrimentos marítimos e na
necessidade pragmática de registrar rotas, condições atmosféricas, acidentes da
costa e todos os elementos que pudessem facilitar a repetição e prosseguimento
dos percursos, entretanto efetuados.
Assim, os roteiros e os diários de
bordo, documentos técnicos para orientação náutica, são os antecedentes desta
literatura, que, no entanto, começa já nesses textos a emergir em comentários
que alargam a pura notação descritiva, em apontamentos de pitoresco, em
descrições surpreendidas ou em segmentos narrativos que dão conta de certo
empenho na relação entre o sujeito perceptivo e o mundo que lhe vai sendo
revelado.
Na seqüência destas obras, ou, talvez
melhor, na seqüência da regularidade e multiplicação das viagens (dado que a
sua divulgação era restrita e, em muitos casos, se tornava confidencial pela
política de sigilo dos descobrimentos), aparecem autênticas relações de
itinerários e percursos, por mar ou por terra, mas matricialmente desencadeados
pelas viagens ultramarinas, que aliam por vezes o interesse documental a
procedimentos narrativos que adquirem, sobretudo, para o leitor de hoje,
efeitos de ordem literária.
O estabelecimento de comunidades
portuguesas em diferentes latitudes foi, inicialmente, uma nítida conseqüência
dos Descobrimentos, não sendo também de estranhar que estes hajam contribuído
para que tivesse sido em língua portuguesa que se fosse desenhando um gênero
literário só séculos depois entendido como tal noutros países e a que
freqüentemente se viria a associar a historiografia. A Carta do Descobrimento
do Brasil, na verdade um conjunto de cartas que Pêro Vaz de Caminha (? -1501?)
enviou ao rei D. Manuel I (1469-1521) em 1501, é, no fundo, um exemplo perfeito
de Literatura de Viagem, com a descrição pitoresca da paisagem e dos costumes
que os Portugueses encontraram no Brasil.
Não será mesmo deslocado dizer-se que
tal tipo de obras foi uma significativa contribuição portuguesa para o
Renascimento em nível da literatura, já que, numa época em que a imprensa se
desenvolve e floresce o espaço literário, com dicionários, gramáticas, ensaios
filosóficos, foram relevantes os dados científicos fornecidos em livros que
davam a conhecer culturas muito diferentes de continentes como a África, a Ásia
ou a América do Sul.
Por outro lado, os escritores
«canônicos» (escrevendo com uma intenção determinadamente literária) centraram
muitas das suas obras na problemática da viagem dos descobrimentos, como é o
caso de Gil
Vicente nomeadamente no Auto da Índia e, sobretudo, de Luís de
Camões que dela faz a trama fundamental em Os Lusíadas. Também
os cronistas não podem deixar de reelaborar essa matéria, por vezes em páginas
que são das mais importantes, mesmo sob o ponto de vista estético, deste
capítulo: Gomes Eanes de Zurara na Crônica da Guiné, João de Barros na
Ásia.
Caso particular desta literatura é a
proliferação que, durante a segunda metade do séc. XVI, e até mais tarde,
conhece um gênero específico das nossas letras, o do relato de naufrágios
(constituído por uma narrativa específica e exclusiva de naus que naufragam,
com descrição pormenorizada das reações humanas a que o naufrágio dá lugar, e
do esforço trágico, por vezes baldado, pela sobrevivência); o mais antigo que
se conhece, de 1554, é o do Galeão Grande São João, conhecido por Naufrágio
de Sepúlveda, de autor anônimo; outros, porém, merecem beneficiar
igualmente da atenção da análise literária, pela raríssima capacidade de
escrita do patético, pela descrição paralela do movimento físico e psicológico,
pela aliança de uma crença inabalável na missão militar e religiosa do espírito
de conquista com um pendor pessimista e desenganado que neles figuram a
contra-epopeia lusíada: Relação do Naufrágio da Nau Santiago, de
Manuel Godinho Cardoso, Relação do Naufrágio da Nau São Bento, de
Manuel de Mesquita Perestrelo, Relação do Naufrágio da Nau Conceição,
de Manuel Rangel. Publicados em folhetos avulsos, são reunidos no séc. XVIII
por Bernardo Gomes de Brito na História Trágico-Marítima, em dois
volumes (1735-36).
Em toda esta literatura, porém, avulta uma
obra excepcional, a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, publicada em
1614, mas escrita antes de 1580.
E será importante não esquecer a
fecundidade com que esta literatura tocou a posterior produção portuguesa, quer
na consagração de «topoi» diversos (como no caso do «romance marítimo»,
iniciado entre nós por Francisco Maria Bordalo, com Eugênio, de 1846,
e bastante cultivado na segunda metade do século XIX), quer em desenvolvimentos
temáticos que ocupam os vários gêneros, quer ainda em particularizações que têm
a ver com escolhas individuais de autores, mas também com períodos específicos
da cultura, ou de homenagem ou de deploração da época dos descobrimentos, em
viagens de exploradores oitocentistas ou de escritores de todas as épocas, em
reescritas de consonância ideológica (Afonso Lopes Vieira, Onde a Terra se
Acaba e o Mar Começa 1940), de evocação nostálgica (Sophia
de Mello Breyner Andresen, Navegações, 1988) ou de intenção
paródica (António Lobo Antunes, As Naus, 1988).
LITERATURA DE VIAGEM NO HUMANISMO:
A
época do humanismo inicia-se em 1418, quando D. Duarte nomeia Fernão Lopes para
as funções de Guarda-Mor da Torre do Tombo, e termina em 1527, quando Sá de
Miranda, retornando da Itália, inicia em Portugal a campanha em prol da cultura
clássica. No seu discurso, em que se opera a implantação da idéias
humanísticas, cultivam-se a historiografia, a prosa doutrinária, a poesia, o
teatro e a “temporã novela de cavalaria” Amadis de Gaula.
Historiografia
– A atividade historiográfica, que na época do Trovadorismo não passara da fase
embrionária e improvisada, entra agora em sua fase madura, graças a Fernão
Lopes, seguido de Gomes Eanes de Azurara e Rui de Pina.
Fernão
Lopes – Pouco se conhece de sua biografia. Como vimos em 1418 D. Duarte
nomeia-o Guarda-Mor da Torre, e em 1434 incube-o de escrever a crônica dos reis
da primeira dinastia. Faleceu depois de 1459. De suas obras, apenas três nos
restaram: Crônica d’El-Rei D. Pedro, Crônica d’El-Rei D. Fernando e Crônica d’
El-Rei D. João I (até 1411).
Fernão
Lopes Como burocrata ao serviço do Rei e da Corte, ele se
apresentava como guardador das escrituras do Tombo, isto é, responsável pela
conservação do Com seu encargo de cronista, na verdade o que percebemos é que o
cronista descreve o assassinato de Inês, não como uma simples execução, o
cronista de uma maneira peculiar sua indignação pela morte da mesma, observe-se
que ele poderia descrever como uma execução de qualquer outra pessoa, mas há
fragmentos que ele usa palavras que dão ênfase que foi um assassinato, cruel na
ausência de D. Pedro. E o mesmo justifica o que D. Pedro fez utilizando a
palavra “dor” sendo este o motivo pelo qual chamaríamos de “vingança”. Essa é
uma linguagem que causa no leitor não uma sensação de horror, mas o faz
entender que D. Pedro fez tudo isso por dor e indignação. Vale ressaltar que a
importância da escolha dessa crônica é porque esse fato acontece na ausência de
D. Pedro, que está numa expedição, ou seja, em uma viagem.
Filho
de Afonso IV, D. Pedro I reinou entre 1357 e 1367. Aos vinte anos, casou-se com
D. Constança, filha do Infante João Manuel, regente da Castela. Entre as damas
de companhia contava-se Inês de Castro, filha do fidalgo galego Pedro Fernandes
de Castro, da qual D. Pedro logo se apaixonou. Mas seu pai, que então reinava,
interpôs-se. Com o falecimento de D. Constança , em 1345, os enamorados
passaram a entreter livremente os seus amores. Todavia, o rei se deixa
convencer por seus conselheiros, a permitir o assassínio de Inês, que se
consumou a 7 de janeiro de 1355. Enfurecido de dor e indignação, D. Pedro, quando já erguido ao trono, conseguindo
aprisionar os matadores de Inês, ordenou que morressem com tal sadismo que ele
acabou merecendo os epítetos de “O Cruel” e “O Justiceiro”. Nem por isso
amainaram as saudades de Inês: torturado pela ausência passava as noites e
noites de horrores e pressentimentos, de que se julgava livrar saindo às ruas
para dançar e confraternizar com o povo (Crônicas de D. Pedro e
D.Fernando, 2ª ed., Lisboa, Bertrand, 1921, pp.3 1-34)
Estas
passagens, das mais sugestivas de quantas oferecem o retrato de D. Pedro,
convida a observar algumas das características marcantes da obra
historiográfica de Fernão Lopes.
A etapa que com ele
se inaugura, é das mais importantes da história de Portugal, entre outras
coisas porque veio a constituir-se numa franca e profunda renovação da cultura
portuguesa. Rei culto, determinado, empreendedor, entendeu logo o significado
do apoio régio ao desenvolvimento das Letras. Tanto é assim que, além de ele
próprio dar o exemplo escrevendo o Livro da Montaria, propiciou a formação dum
clima mental que; continuado por seu filho, D. Duarte (que subiu ao trono em
1433), condicionou o aparecimento duma figura como Fernão Lopes, que dá início
e dimensão à nova época da Literatura Portuguesa. Esta época se caracteriza
fundamentalmente por um processo de humanização da cultura. Na verdade, o
século XV português corresponde, em consonância com o resto da Europa, ao
nascimento do mundo moderno, na medida em que inaugura um tipo de cultura
preocupado com o homem, seja enquanto indivíduo seja enquanto coletividade.
É certo que a concepção teocêntrica de vida, isto é, tendo Deus como escala de valores, continua vigente, mas já começam a despontar atitudes contraditórias diretamente centradas no homem. Contribui para isso a euforia provocada pelas descobertas e pelas conquistas ultramarinas, iniciadas com a tomada de Ceuta em 1415 e só terminada no século seguinte.
É certo que a concepção teocêntrica de vida, isto é, tendo Deus como escala de valores, continua vigente, mas já começam a despontar atitudes contraditórias diretamente centradas no homem. Contribui para isso a euforia provocada pelas descobertas e pelas conquistas ultramarinas, iniciadas com a tomada de Ceuta em 1415 e só terminada no século seguinte.
A cultura torna-se laica em grande parte de
suas expressões; e a educação do homem, fidalgo, sobretudo, constitui o objetivo
da literatura moralista então escrita; nas crônicas de Fernão Lopes, o povo, a
massa popular, comparece pela primeira vez. Uma onda de realismo, de terrenalismo,
de apego à natureza física, eleva-se para se contrapor ao transcendentalismo
anterior: as crônicas, a poesia e especialmente o teatro vicentino documentam à
saciedade essa mutação histórica, identificada com o fato de o acento tônico da
cultura se transferir para o homem enquanto homem e não para o homem concebido
à imagem e semelhança de Deus. Na segunda metade do século, os traços de
cultura greco-latina surgidos, por exemplo, em Azurara e Rui de Pina,
testemunham a presença desse humanismo em marcha, que vai constituir uma das
mais importantes linhas de força da época literária seguinte.
NO CLASSICISMO
A literatura de Viagens
– A euforia dos descobrimentos gerou, como se sabe, a crônica ultramarina,
encetada por Azurara, e também uma avalanche de documentos oscilantes entre
ficção mais desabrida e a historiografia mais fidedigna. Parte dessa vária
biblioteca informativa das novas terras entrevistas veio a ser coletada na
História Trágico-Marítima (2 vols., 1735-1736), por iniciativa de Bernado Gomes
de Brito (1688-?). Outros autores no gênero: Jerônimo Corte-Real, Francisco
Álvares, Fernão Cardim. Estes representavam, por exemplo, a História
Trágico-Marítima, coletânea de relatos e naufrágios ocorridos nos séculos XV,
XVI e XVII, organizada por Bernardo Gomes de Brito (1688-?), muitos nomes foram
importantes, mais sem dúvida o mais importante de todos os representantes de
todo o gênero é Fernão Mendes Pinto (1510? -1583), é o autor de uma das obras
mais significativas do século XVI e de toda a literatura de viagens de qualquer
tempo: Peregrinação (1614), como é abreviadamente.
Esse
fragmento do texto só reforça a idéia anterior, no que diz respeito às
aventuras vividas pelos viajantes, o qual serve de inspiração para a obra.
Fernão Mendes Pinto escreveu a obra no fim da vida, como herança aos filhos,
“para que eles vejam nela estes meus trabalhos e perigos da vida que passei no
decurso de vinte anos”. Com efeito, viajou entre 1537 e 1558 por várias partes
da África e Ásia (Abissínia, Arábia Feliz, Malaca, Sumatra, Java, Pegu, Sião,
China, Índia, Japão), sempre acentuado de sentido aventuresco.
De
acordo com o texto percebe-se que os méritos atribuídos Fernão Mendes Pinto se
dá devido ao seu relato pretensamente sincero, vivo, realista, fruto das
próprias experiências, e isso atrai o leitor pelo pitoresco, pelos episódios em
torno de variadas aventuras, a narrativa,” o estilo descuidado, impressionista,
construído hora a hora, ao sabor das circunstâncias e do estado de espírito do
escritor”.
Peregrinação
O
título da obra, longo como era hábito naqueles recuados tempos, declara o
seguinte: Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, em que dá conta de muitas e
muito estranhas cousas que viu e ouviu no reino da China, no da Tartária, no do
Suradm, que vulgarmente se chama Sião, no do Calaminhão, no de Pegu, no de
Pegu, no de Martavão, em outros muitos reinos e senhorios das partes orientais,
de que nestas nossas do Ocidente há muito pouca ou nenhuma notícia. E também se
dá conta de muitos casos particulares, etc., O enovelamento dos episódios
constituintes da obra, e o seu transcorrer numa geografia imaginária e segundo
uma cronologia confusa, se manifestam pelo mero enunciar do título. Fugido de
casa, o nosso herói mete-se numa caravela, que é logo depois apreendida por
corsários franceses nas cercanias de Setúbal. Liberto numa praia alentejana
entra no serviço de D. Jorge, filho bastardo de D. João II. Em 1537, segue para
a Índia, onde tem começo a sua fantástica peregrinação, em grande parte vivida
na companhia do pirata Antonio de Faria, protagonistas do episódio seguinte,
dos mais pitorescos e incríveis de quantos compõem o relato de Fernão Mendes
Pinto, localizado entre os capítulos LXXV E LXXVIII, intitulados “Como chegamos
a esta ilha de Calemplui e da maneira ordem, sítio e fábrica dela”. “Do mais
que Antônio de Faria passou nesta ermida até se embarcar”. “Como esta primeira
noite fomos sentidos, e por que causa, e do mais que sucedeu sobre isso”:
A obra trata da chegada e da estadia de Fernão Mendes Pinto no Oriente. Assim pois apresenta-nos o relato
das expedições dos descobridores e conquistadores portugueses. A imagem dos
navegadores portugueses que perpassa nesta obra é sobretudo picaresca, assumindo-se
o herói como um anti-herói, capaz das piores façanhas para lograr os seus
objectivos, geralmente pilhar e roubar as populações nativas para enriquecer e
regressar à pátria.
Peregrinação
Depois de embarcado Antônio de
Faria e nós todos com ele, que seria já quase às Aves-Marias, nos passamos a
remo à outra parte da ilha, e surtos dela obra de um tiro de falcão, nos
deixamo assim estar até quase meia-noite, com determinação, como já atrás
disse, de tanto que ao outro dia fosse manhã tornarmos a sair em terra, e
cometer as capelas dos jazigos dos Reis, que estavam de nós menos de um quarto
de légua, para nelas carregarmos ambas as embarcações.(Peregrinação e outras Obras, 2 vols., Lisboa, Sá da
Costa, 1962, vol. II, pp. 67-69, 74, 76-77, 77-78, 79-82.)
O
nível mais literário é, sem dúvida, Peregrinação de Fernão Mendes Pinto
(1509-1583) que se distingue. Publicado em 1614, o livro, cujas aventuras
(protagonizadas pelo próprio Mendes Pinto) já eram conhecidas no tempo de vida
do autor, foi durante séculos considerados fruto duma imaginação fértil e não,
como afinal o progressivo conhecimento das civilizações orientais veio a
provar, o relato de costumes e fenômenos naturais de paragens tão longínquas
como a China e o Japão. Redigido num estilo extremamente vivo e pleno de
exotismo, o livro revela uma personalidade bastante avançada para o seu tempo,
no profundo respeito por outras culturas e num ecumenismo que as gerações
posteriores não vieram, infelizmente, a pôr em prática.
Fernão
Mendes Pinto, que embora protagonista da obra nunca se assume como num herói,
não se coíbe de criticar a ação muitas vezes violenta dos Portugueses no
Oriente, em contraste com a tolerância e o sentido de verdadeira religiosidade
dos orientais.
NO BARROCO
Inicia-se em 1580, quando
Camões morre e Portugal perde sua autonomia para a Coroa espanhola, e termina
em 1756, quando se funda a Arcádia Lusitana. Constituindo-se o Barroco numa
tentativa de fusão harmônica entre duas linhas de força que orientavam a
cultura renascentista (a medieval e a clássica, respectivamente teocêntrica e
antropocêntrica), durante a sua vigência cultivaram-se a oratória, a prosa
doutrinária, a poesia, a historiografia, a epistolografia e o teatro.
Historiografia
– Com a passagem de Portugal para o domínio espanhol (1580-1640), atividade
historiográfica perdeu seu caráter ufanista que adquirira na Renascença e,
concentrando-se principalmente em conventos e mosteiros, enveredou pelos
estudos de individualidades e assumiu feição medievalizante e obscurantista.
Não poucos nomes podem ser alinhados neste particular, mas somente cabe deter a
atenção em Frei Luís
de Souza e na chamada “historiografia de Alcobaça”.
Frei
Luís de Souza – Manuel de Souza Coutinho, este o seu nome antes de abraçar o
sacerdócio, nasceu em Santarém, ao redor de 1555, e faleceu em 1632. Soldado
serviu a Felipe II na Espanha. De regresso, casou-se (1583) com D. Madalena de
Vilhena, viúva de D. João de Portugal, dado como desaparecido durante batalha
de Alcácer-Quibir (1578). Em 1613, falecida sua única filha, ambos resolveram
professar, entrando ele para o convento S. Domingos de Benfica e ela, para o
Sacramento. Quer a lenda, porém, que a decisão fora tomada em virtude de um
peregrino, vindo da Palestina comunicar a D. Madalena de Vilhena que seu marido
ainda vivia em
Jerusalém. No recolhimento do claustro, Manuel de Sousa
Coutinho, agora Frei Luís de Sousa, mete ombros na execução de sua obra
historiográfica: Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires (1619), História de
São Domingos, Particular do Reino e Conquistas de Portugal (1623, 1662 e 1678),
Anais de D. João III (publicados em 1844), Vida do Beato Henrique Suso (17640;
ainda escreveu outras obras, mas que se perderam, como a Vida de Sóror
Margarida do Sacramento e Considerações das Lágrimas que a Virgem Nossa Senhora
Derramou na Segunda Paixão.
Embora diminuto, esse trecho basta
para oferecer-nos uma idéia da “maneira” de Frei Luís de Sousa e do seu lugar
nos quadros da Literatura Portuguesa: enquanto historiador, despreza a erudição
balofa que fazia as delícias dos confrades do tempo; por momentos, tem-se a
impressão de regressar a Fernão Lopes, sobretudo pelo descontraimento narrativo
e a vivacidade próxima da ficção novelesca (inclusive com o recurso dramático
do diálogo); entretanto, como historiadores, os dois diferem substancialmente;
decerto, Frei Luís de Sousa baseou-se em documentos, mas com uma liberdade que
o torna menos importante como historiador que como estilista ou mestre do
vernáculo. Na verdade, era senhor dum estilo que à custa de abrigar expedientes
da língua falada, mas apurando-os rigorosamente, constitui um paradigma da
melhor prosa aparecida até Garrett; seu mérito reside antes nas superiores
qualidades de estilo, que no processo historiográfico; bem por isso, suas obras
se lêem com agrado literário, tal a amenidade, a fluência e a pureza da
linguagem, e não como fonte historiográfica; contudo, é pouco para situá-lo
acima de outros prosadores estritamente literários.
Anais de D. João III
É caso digno de ficar na lembrança o que um dia destes
sucedeu a D. Jorge de Noronha com o
valente Amelix. Estava D. Jorge doente de sezões: não consentiu o conde que
cavalgasse, por muito que o desejou, por se lhe não agravar o mal.Saiu o conde
deixando-o na cama, e ficando acompanhado do médico; mas ele disse ao médico
que se houvesse repique não haveria febre nem frio que lhe tolhesse acudir ao
campo. O que sendo ouvido pelo médico, lhe aconselhou que, pois assim o
determinava, seria melhor irem-se ambos passeando devagar até o facho, que não
depois que repicassem correndo. Pareceu bem bem a D. Jorge a razão; mandou-lhe
dar um dos seus cavalos e foram devager, caminho do facho.
Não chegavam bem às tranqueiras quando o facheiro,
gritando quanto podia, deixou cair o facho, e vindo-se pêra a vila, disse a D.
Jorge que as atalaias do Corvo vinham com pressa demandar o vale; porque sete
ou oito mouros vinham atalhando. Apertou D. Jorge as pernas ao cavalo e foi-se
correndo pêra onde o facheiro dizia, senão quando, chegando à tranqueira de
baixo, viu um mouro abraçado com o atalaia, que ao parecer trabalhava como em
luta pólo cativar e tomar vivo, e ele forcejava por se defender conquanto
estava cercado de outros sete mouros.
( Anais de D.
João III, 2 vols., Lisboa, Sá da Costa, 1938, vol. I, pp. 211-212.)
Embora
diminuto esse trecho baste para oferecer-nos uma idéia da “maneira” de Frei
Luís de Sousa e do seu lugar nos quadros da Literatura Portuguesa: enquanto
historiador despreza a erudição balofa que fazia as delícias dos confrades do
tempo; por momentos, tem-se a impressão de regressar a Fernão Lopes, sobretudo
pelo descontraimento narrativo e a vivacidade próxima da ficção novelesca
(inclusive com o recurso dramático do diálogo); entretanto, como historiadores,
os dois diferem substancialmente; decerto, Frei Luís de Sousa baseou-se em
documentos, mas com uma liberdade que o torna menos importante como historiador
que como estilista ou mestre do vernáculo. Na verdade, era senhor dum estilo
que à custa de abrigar expedientes da língua falada, mas apurando-os
rigorosamente, constitui um paradigma da melhor prosa aparecida até Garrett;
seu mérito reside antes nas superiores qualidades de estilo, que no processo
historiográfico; bem por isso, suas obras se lêem com agrado literário, tal a
amenidade, a fluência e a pureza da linguagem, e não como fonte
historiográfica; contudo, é pouco para situá-lo acima de outros prosadores
estritamente literários.
NO ARCADISMO
Luís antônio Verney, de ascendência francesa,
nasceu em Lisboa, em 23/7/1713. Formando-se em Artes e Teologia pela
Universidade de Évora, em 1736 seguiu para Roma a fim de continuar seus
estudos. Planeja então escrever uma eespécie de enciclopédia pedagógica, em que
pudesse oferecer as chaves para uma renovação da cultura e da mentalidade
portuguesa coeva.
Verdadeiro Método de Estudar
Acham-se, é verdade, nos antigos,
muitas e mui insulsas. Aristóteles, na sua Retórica, aponta algumas, a que
chama Paragramas, Cícero, no livro 2º De Oratore, tratando das facécias do
Orador, indica outras muitas; e ele mesmo, em várias partes das suas obras,
serve-se delas; porque este era o seu defeito – ser muito faceto -, e com as
suas facécias aquistava perigosos inimigos. Mas devo dizer, em obséquio da
verdade, que as que ele aponta quase todas são frioleiras ridicularias, que não
merecem nome de pensamento engenhoso. E, se V.P. me não crê, leia o dito livro,
e achará que lhe digo a verdade. Estas venialidades, em que caíram estes
grandes homens, são recompensadas com infinitas boas qualidades, que neles
vemos; e são também desculpáveis por outro princípio, que é a falta de crítica
que tiveram os Antigos. Aqueles engenhos elevados dos primeiros autores não
faziam todas as reflexões necessárias
para procederem com exação; pelo contrário, os que os seguiram, ainda que
inferiores na grandeza de engenho, excedem no método e na crítica, e souberam
evitar os defeitos dos primeiros. ( Verdadeiro Método de Estudar,
Lisboa, Sá da Costa, vol. II, pp. 233-235.)
NO ROMANTISMO
Originário
da Escócia e da Alemanha, o Romantismo foi introduzido em Portugal por Garrett,
em 1825, co a publicação do poema de Camões. Seu término ocorre por volta de
1865, quando se instala a reforma realista. Durante esses quarenta anos, três
são as configurações assumidas pela estética romântica: a primeira, em que
ainda permanecem atuantes alguns valores neoclássicos, é representada pó
Garrett, Herculano e Castilho, e transcorre mais ou menos entre 1825 e 1838; a
segunda, em que se aglutina o chamado Ultra-Romantismo, é representada
especialmente por Soares de Passos e Camilo Castelo Branco, e vigora entre 1838
e 1860; a terceira, em que se opera a transição para o Realismo, é representada,
sobretudo por João de Deus e Júlio Dinis, e ocupa a década de 60. O Romantismo
português acompanha as linhas gerais do movimento europeu, mas adaptando-o à
conjuntura sócio-econômico-cultural delineada nos capítulos precedentes.
Viagens na Minha Terra
O vale de
Santarém é um destes lugares privilegiados pela natureza, sítios amenos e
deleitosos em que as plantas, o ar, a situação, tudo está numa harmonia
suavíssima e perfeita: não há ali nada grandioso nem sublime, mas há uma como
simetria de cores, de sons, de disposição em tudo quanto se vê e se sente, que
não parece senão que a paz, a saúde, o sossego do espírito e o repouso do coração devem viver ali,
reinar ali um reinado de amor e benevolência. As paixões más, os pensamentos
mesquinhos, os pesares e as vilezas da vida não podem senão fugir para longe.
Imagina-se por aqui o Éden que o primeiro homem habitou com sua inocência e com
a virgindade do seu coração...
-”Ali não há ninguém – ninguém que se nomeie hoje,
mas houve...oh! Houve um anjo, um anjo que deve estar no céu”.
-”Bem dizia eu que aquela janela...”
-”É a janela dos rouxinóis.”
-”Que lá estão a cantar.”
-”Então, esses lá estão ainda como há dez anos –
os mesmos ou outros, mas a menina dos
rouxinóis foi-se e não voltou”.
-”A menina dos rouxinóis! Que história é essa?
Pois deveras tem uma história aquela janela?”
-Ӄ um romance todo inteiro, todo feito como dizem
os franceses, e conta-se em duas palavras.”
-”Vamos a ele. A menina dos rouxinóis, menina com
olhos verdes! Deve ser interessantíssimo. Vamos à história já.”
-”Pois vamos. Apeemo-nos e descansemos um bocado.”
Já se vê que este diálogo passava entre mim e
outro dos nossos companheiros de viagem.
Apeemo-nos com efeito; sentamo-nos; e eis aqui a história da menina dos
rouxinóis como ela se contou.
. (Viagens na Minha Terra, Lisboa, Portugália, 1963, pp. 70-74.)
Incerta
a classificação desta obra, mista de jornalismo, literatura de viagens, diário
íntimo e prosa de ficção. Publicada em 1846, seu fio narrativo compõe-se de uma
viagem levada a efeito por Garrett em 1843 entre Lisboa e Santarém, a convite
do político Passos Manuel. Repartida em 49 capítulos, como que escritos ao
sabor da viagem, o obra relata as peripécias ocorridas entre aquelas duas
cidades e as reflexões que elas desencadeiam na mente do viajante, acerca dos
mais variados assuntos, desde o amor até à política. Ao chegar a Santarém, o
narrador toma conhecimento da história amorosa da Joaninha dos olhos verdes, a
“menina dos rouxinóis”, e de seu primo Carlos: ambos se apaixonam, mas ele
julga-se preso ao sentimento de Georgina, que ficara na Inglaterra, por fim,
desfeito o impasse, Georgina entra para o convento e Joaninha morre, enquanto
Carlos, recomposto do transe, retoma sua trajetória de dândi e homem público. O
trecho que se vai ler constitui o capítulo X, em que se anuncia a história da
Joaninha; é precedido de um sumário da própria lavra do escritos:
O
trecho exemplifica a perfeição uma prosa enxuta, direta e palpitante, prosa
emocional, posta à prosa intelectual, vigente até o século XVIII. Prosa
liberal, desataviada, numa palavra, romântica, ou seja, composta pela
imaginação e pela idealização.
O romantismo
de Garrett consistia antes num hábito ou na adesão às modas que numa tendência
profunda de temperamento: no mais íntimo de sua visão do mundo seria um homem
clássico, ou muito moderado e frio para ser medularmente romântico. De resto,
as próprias qualidades do estilo guardam uma como superficialidade diplomática
que não se compadecia com a anarquia mental implantada pelo Romantismo. De qualquer
modo, Garrett fez escola pelo que escreveu e pregou não pelo que foi. E isso é
bastante para distingui-lo entre os escritores do tempo e no conjunto da
Literatura Portuguesa.
Pode reduzir-se à
história sentimental de um rapaz que se apaixona de um modo sucessivo ou
simultâneo, mas intenso, por várias mulheres, e se sente incapaz de estancar
este constante fluir do seu desejo, de fixar e estabilizar a sua personalidade afetiva.
O herói quer sinceramente continuar fiel pelo coração ao seu amor precedente,
quer, sentindo-se à deriva num fluir sentimental incessante, deitar a mão a uma
corda de salvação. Mesmo nos momentos de delírio febril causados por uma grave
ferida em combate, esse querer sentimental se manifesta subconsciente ao
apertar com força uma recordação oferecida pela mulher que, dizia ele,
"ainda amava". O diálogo de Carlos e Georgina, quando ele recuperava
a consciência, é notável como revelação deste conflito íntimo.
Ninguém, antes de
Garrett, na ficção portuguesa, entrara tão sutilmente na análise do que há de
convencional, fictício ou autêntico na vida sentimental, na confusão de verdade
e de mentira, de vida atual e de sobrevivência que é o todo afetivo de cada
indivíduo; e ninguém pôs em termos tão agudos o problema do desgarrar da personalidade
na mudança de tudo, ligando-o, ao mesmo tempo, ao cepticismo superveniente a
uma causa generosa que degenera.
REFERÊNCIAS:
MOISÉS, Massaud. A
Literatura Portuguesa através dos textos. 24ª Ed. Cultrix. São Paulo.
1996.
Pesquisa
ON Line: In História da Literatura Portuguesa. 2002. Porto Editora. Ltda.
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