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domingo, 9 de novembro de 2014

Mas onde estaria a Verdade (aléthea)? No mito ou no lógos?

Adriana Alves de Lima[1]

“O mistério é uma das coisas mais belas. Aquele que não se deixa tocar pela emoção do Mistério, aquele que, diante do maravilhoso, não fica imóvel, impregnado de assombro, é como um morto: já não tem olhos para ver.”

Albert Einstein

RESUMO
Este artigo tem o propósito de esclarecer a importância e o lugar do lógos alethés (palavra sagrada) anterior à sua transformação em lógos filosófico. Busca-se esmiuçar uma delicada e fundamental questão: a de quando, como e porque se dá a separação entre o mythos e o lógos. Proponho uma retrospectiva histórica visando conceituar os dois termos (Mito e Razão) e a partir de sua origem procurar esclarecer às indagações de onde estaria a verdade? No mito ou no logos? A palavra irracional, hoje, é extremamente pesada para explicar o pensamento mítico; afinal, ele é um pensamento bem estruturado, porém sem necessidade de provas, de argumentos. Seu valor de verdade não é aferido por sentenças, não se trata somente da linguagem, do lógos como discurso argumentativo, pois a psyché é bem mais extensa que a criação do pensar-dizer na forma sentencial. Em “Aspectos sagrados do mito e do lógos”, vemos que “ambas as palavras tiveram praticamente a mesma origem e uso iniciais, mas, após ocorrer uma diferenciação no uso, o mýthos ficou vinculado às narrativas acerca dos deuses, e o lógos, revestiu-se do aspecto lógico da filosofia”.

PALAVRAS-CHAVE: Mito; Razão; Verdade; Filosofia; Racionalidade.

ABSTRACT
This article aims to clarify the importance and place of logos alethia (sacred word) before its transformation into philosophical logos. Busca-se esmiuçar uma delicada e fundamental questão: a de quando, como e porque se dá a separação entre o mythos eo lógos. The aim is to scrutinize a delicate and crucial question: when, how and why it gives the separation between mythos and logos. Proponho uma retrospectiva histórica visando conceituar os dois termos (Mito e Razão) ea partir de sua origem procurar esclarecer às indagações de onde estaria a verdade? I propose a historical review in order to conceptualize the two terms (Myth and Reason) and from its origin to seek clarification on questions of where is the truth? No mito ou no logos? In the myth or logos? A palavra irracional, hoje, é extremamente pesada para explicar o pensamento mítico; afinal, ele é um pensamento bem estruturado, porém sem necessidade de provas, de argumentos. The word irrational today is extremely hard to explain the mythical thought, after all, he is a well-structured thought, but without evidence of arguments. Seu valor de verdade não é aferido por sentenças, não se trata somente da linguagem, do lógos como discurso argumentativo, pois a psyché é bem mais extensa que a criação do pensar-dizer na forma sentencial. Its truth value is not measured by sentences, not just about language, logos and argumentative discourse, because the psyche is far more extensive than the creation of think-saying in the sentential form. Em “Aspectos sagrados do mito e do lógos”, vemos que “ambas as palavras tiveram praticamente a mesma origem e uso iniciais, mas, após ocorrer uma diferenciação no uso, o mýthos ficou vinculado às narrativas acerca dos deuses, eo lógos, revestiu-se do aspecto lógico da filosofia”. In "Aspects of sacred myth and logos, we see that" both words have roughly the same origin and initial use, but after differentiation occurs in use, the mythos has been linked to narratives about the gods, and logos, clothed is the logical aspect of philosophy. "
KEYWORDS: Myth, Reason, Truth, Philosophy, Rationality..

INTRODUÇÃO
Este artigo fundamenta-se nas teorias abordadas por Jean-Pierre Vernant, um dos mais renomados helenistas de nossa época, deu-nos um fabuloso resultado de suas pesquisas, no que diz respeito aos antecedentes históricos do surgimento da filosofia no ocidente.
Partindo das investigações de dois outros autores, John Burnet e F.M. Cornford apud Vernant (1990), fez-se em “Do mito à razão” uma importante análise dos fatores que teriam proporcionado à filosofia ocidental que surgisse na Grécia, no século VI antes de nossa era. Segundo Burnet, nada como um apurado espírito de investigação teria sido mais propício para desenvolvimento da filosofia. Assim, a partir de observações dos fatos cotidianos, os primeiros filósofos teriam passado à formulação de hipóteses mais ou menos precisas, por meio das quais tentavam descrever o mundo.
Seja lá como for tendo ou não os primeiros filósofos, todos eles ou apenas alguns, desenvolvido alguma observação do tipo moderno, capaz de levá-los à formulação de hipóteses verdadeiramente científicas, o importante é que tanto Burnet quanto Cornford reconhecem ter havido na Grécia alguma coisa que diferenciou o povo helênico dos povos orientais, pelo que teria sido impossível a estes atingir o estágio filosófico a que chegaram os gregos.
O propósito deste trabalho é o de trazer às nossas consciências o fato de ter surgido algo novo naquela região e naquele tempo, chegando a influenciar até os nossos dias, a nossa forma de pensar e de conceber o mundo que nos cerca.
1.1 ORIGENS DO MITO
Segundo Chauí (2000 pág. 32) a palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: mytheo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar) e é uma narrativa sobre a origem de algumas coisas (origem dos astros, da Terra, dos homens, dos elementos naturais, da saúde, da doença, da morte, etc.). Mas no transcorrer da história do homem podemos ver que ele sempre esteve ligado ao mágico e ao mítico e, assim, o ser humano conta histórias de heróis, sagas e cosmologia para lidar com o desconhecido e através de sua narração organizar seu contexto, constituir sua identidade, ter um entendimento dos processos da natureza, de sua origem e da origem do lugar em que vive, enfim, as narrativas mitológicas desempenhavam o papel de ordenar a existência. Podemos entender então que o papel do mito é o de orientar a vida, de indicar valores e ser a expressão de imagens subjetivas do ser humano tanto individualmente quanto coletivamente. O mito, dessa forma, acaba por expressar uma visão tanto do mundo pessoal como do mundo social. O mito é uma história que é contada numa linguagem metafórica onde o ser humano conta uma história inventada para si mesmo de modo que o mito é uma maneira de perceber os mundos interiores e exteriores.
Na antiguidade, antes do nascimento da Filosofia, o mito era um discurso pronunciado aos ouvintes por um poeta-rapsodo, pois se acreditava que o poeta era um escolhido dos deuses, e a narração era tida uma verdade dita por uma autoridade e, portanto, o  mito era tido como sagrado, como uma revelação divina e, por conseqüência, incontestável e inquestionável. Dessa forma, os mitos direcionavam tanto a cultura quanto a religião.
1.2.  NOVA FORMA DE PENSAR
Segundo Campbell apud Keleman (2001), os mitos “transmitem mais do que um mero conceito intelectual, pois, pelo seu caráter interior, eles proporcionam um sentido de participação real na percepção da transcendência”. Podemos entender então, o mito, como uma narrativa metafórica que contem símbolos que transmitem idéias e não fatos. Mitos são estímulos simbólicos para a percepção de idéias e do desconhecido.
A validade e valor do mito são contestados quando o mito é tido como uma narração de “fatos” e não de “idéias”, ou seja, o mito passa a denotar e não a conotar.
Na Grécia os primeiros filósofos passaram a criticar a mitologia de Homero porque os deuses tinham muita semelhança com os homens e eles diziam que talvez os deuses não passassem de frutos da imaginação do homem. Os filósofos gregos da época queriam encontrar explicações naturais para tudo e sem recorrer à tradição dos mitos. Houve a transformação do modo de pensar: o pensamento atrelado ao mito passou a ser substituído pelo pensamento construído sobre a experiência e a razão. A Filosofia surgia como o conhecimento racional da realidade natural e cultural, das coisas e dos seres humanos. A Filosofia afirma que a verdade é racional.
1.3 ORIGENS DA RAZÃO
Sendo o tema agora a “razão” cabe dizer que esta palavra origina-se de duas fontes: da palavra latina ratio que vem do verbo reor e que quer dizer contar, reunir, juntar, medir, calcular; e da palavra grega logos que vem do verbo legein que também quer dizer contar, reunir, juntar calcular. Dessa forma, segundo Chauí, “razão” significa “pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo compreensível para outros”. Assim razão pode ser entendida como a capacidade intelectual para pensar e expressar-se correta e claramente e dizer as coisas como elas realmente são. A mitologia grega provém, em grande parte, do oriente, sendo tributária dele. Apenas a forma, a estrutura do mito é aproveitada pela filosofia nascente, enquanto que seu conteúdo se despoja, pouco a pouco, da explicação ritual e religiosa dos fenômenos sociais e naturais. A filosofia se constitui como a tentativa de uma explicação totalmente positiva dos fenômenos mencionados.
1.4 NASCIMENTO DA FILOSOFIA
O filósofo surge como uma extensão ou, se desejar, como um desenvolvimento da atividade dos homens sagrados que tinham o papel de revelar as verdades ocultas aos profanos. Esse novo sábio, todavia, compreendeu que o mundo não é misterioso pelo fato de os deuses deterem o poder sobre seu conhecimento, mas é misterioso somente enquanto a razão não encontra satisfatórias explicações para o mistério. Mais ainda, desvendar o mistério deixa de ser, para o filósofo, prerrogativa de uma classe, passando a ser um meio de todo homem demonstrar seu valor e sua capacidade de criação e de resolução de seus problemas. Por isso, o filósofo surge concomitantemente ao cidadão.
Uma série de inovações mentais começam a ocorrer na Grécia, a partir do século VIII; elas caracterizariam o surgimento de uma forma mais abstrata de conceber as relações sociais e o próprio valor das coisas. A democracia, as incursões marítimas, o surgimento da moeda e da escrita vão demonstrar que a filosofia nasce da necessidade de o homem expressar suas angústias com relação ao mundo e, ao mesmo tempo, como filha da cidade.
 Durante muitos séculos víamos confiando plenamente na ciência, imaginando que ela tenha o poder de responder a todas as perguntas instigadas pela natureza ou pela sociedade. Após o Renascimento, o homem entrou em processo de recuperação de sua autonomia, perdida no decorrer da Idade Média. Com o novo impulso dado à experimentação, com o repúdio à autoridade sem limites do clero, que agia em nome de Deus e em Seu nome cometia as maiores atrocidades, com o movimento colonizador que retirou o homem de seu confinamento europeu para levá-lo à descoberta de novos mundos, houve uma supervalorização das capacidades da razão que, doravante, passaria a afirmar-se como modelo de toda ação e de todo pensamento “válido”. Em outras palavras, a humanidade ficou tão consciente de seu poder racional, que começou a imaginar ser ela, a mesma humanidade, senhora absoluta do universo. Tudo isto em nome daquela razão positiva de que já falei.
 Imagine o quanto seria frustrante para você, leitor, que em muitos anos vem acreditando em uma série de valores, supondo serem eles verdadeiros e os melhores, repentinamente perceber que não são tão bons assim e que há outros capazes de satisfazê-lo de outro modo ou, pelo menos, dar-lhe a oportunidade para procurar uma outra maneira de satisfazer-se. A ruptura com os padrões herdados sempre é muito complexa. Renunciar a uma situação cômoda em favor de outra muito incerta não parece muito racional; mas a racionalidade consiste em desenvolver a capacidade crítica, a fim de ser possível escolher com mais consciência. É o que ocorre em nossos dias.
Enfim, voltando ao nosso texto, notamos que Cornford é averso à idéia de que tenha havido um “advento imaculado da Razão” no seio do povo grego, por volta dos inícios do século VI a.C.. Segundo ele, a física jônia não era ciência como nós a entendemos modernamente, pois não teria havido, com os primeiros filósofos, o desenvolvimento de observação e experimentação. Eles teriam, apenas, chegado à formulação de algumas hipóteses não comprováveis e que, dogmaticamente, admitiram como verdades absolutas. Tomemos o exemplo de Tales de Mileto. Do fato de os seres vivos não conseguirem manter-se sem a água, supôs que ela seria o elemento originário da ordem dos viventes. Vendo o brotar da água de uma rocha, concluiu que a matéria sólida se convertia em líquida. Contemplando um organismo em decomposição e vendo que dele fluía um líquido, supôs que aquele ser estaria passando de um estado provisoriamente sólido para o estado original líquido. Daí foi fácil para ele inferir que “Tudo é água” e que tudo surge a partir dela e tudo retorna para ela.
Os primeiros filósofos tinham a mesma preocupação que os mitógrafos (escritores de mitos) ou mitólogos (estudiosos do mito), isto é, tentavam responder à pergunta: “Como é possível do Kháos, aquele abismo primordial que, como uma goela se abre para dele saírem às primeiras entidades cósmicas, surgir um mundo ordenado?”. Contudo, o mito nos lança para o além, para uma região à qual não temos acesso, para o mundo dos deuses; ele explica que divindades foram expelidas do Kháos, isto é, surgiram por segregação a partir dele; explica, também, que esses primeiros seres divinos foram-se unindo sexualmente e deles nasceram outros, até que os deuses fizeram o homem. Por outro lado, ao filósofo não parece mais interessar um relato tão fantasioso e tão distante do mundo em que vive. Ele prefere buscar aqui,neste mundo, as causas do próprio mundo. Quando Tales diz ser a água o elemento primordial, então, não importava chamar o elemento primordial de água ou de qualquer outra coisa. Importante era reconhecer que o princípio de tudo era uma coisa só, material, da qual tudo provinha e à qual tudo retornava em um ciclo ininterrupto, eterno.
Segundo Vernant (1990) “ao tornarem-se natureza, os elementos despojaram-se de seu aspecto de deuses individualizados; mas permaneceram as potências ativas, animadas e imperecíveis, sentidas, ainda, como divinas”.
Entre a mitologia e a filosofia nascente há um quadro de similaridade: há um esquema que se repete em ambos os casos. Hesíodo apud Vernant (1990), o autor da Teogonia e de Os trabalhos e os dias, descreve uma partilha entre os deuses, das quatro regiões do Universo. Empédocles, natural de Acragas ou Agrigento, uma cidade da Sicília, Magna Grécia, dizia que todos os seres eram constituídos por uma mistura dos quatro elementos (fogo, água, terra e ar) que, movidos por duas forças antagônicas, Amizade e Ódio, aproximavam-se e se afastavam. Antes de intervirem a Amizade e o Ódio, cada um dos elementos ocupava uma região do cosmo.
Considerando-se de um modo geral, a estrutura da física jônia prefigura um começo em que tudo era indistinto. A partir daí, surgem pares de opostos (quente, frio, seco e úmido) que começam um processo de composição do mundo, por meio de sua interação. Para Empédocles, por exemplo, sob a ação do Amor e do Ódio esses opostos se aproximam e se afastam, dando origem aos seres, bem como provocando sua destruição. Em terceiro momento, contamos com a hegemonia alternada dos opostos. Isto tudo ocorre em uma mudança cíclica ininterrupta.
Até agora, talvez não se tenha percebido nada de novo com que a filosofia tenha contribuído para a cultura universal, além do que a mitologia já havia elaborado.
Porém, Cornford apud Vernant (1990) nos diz: “Na filosofia, o mito é racionalizado”. Em outras palavras, ele, o mito, assumido pela filosofia, toma a forma de um problema explicitamente formulado. O mito não resolvia a questão, seja da origem, seja da constituição dos seres e do universo; ao apresentar uma resposta pronta e dogmaticamente entregue para que seja aceito inquestionavelmente, o mito afasta toda a possibilidade de investigação acerca das verdadeiras causas. Com ele, a “verdadeira” causa já está explicitada e tudo o que se diga a seu respeito é inessencial e mera tagarelice.
Hesíodo apud Vernant (1990), mesmo tendo tentado afastar-se do mito tradicional para compor uma explicação um tanto mais próxima da compreensão humana, permaneceu no mito. Se nos recordarmos, na Teogonia ele primeiramente relata uma cosmogênese, a partir da entidade cósmica Kháos, da qual surgem Terra e Céu e Oceano. Mais à frente, conta-nos novamente o que a tradição já nos havia dito: após a luta e a vitória de Zeus sobre Tifón, as partes do universo são divididas entre os irmãos do rei dos deuses. Assim, após a tentativa de romper com o padrão, como que arrependido e temeroso da sorte que o aguardaria caso não honrasse os deuses, Hesíodo retorna à velha história que ouvira desde sua infância. Se, para Hesíodo, fogo, água, terra e ar, estes quatro elementos, permaneciam entendidos como forças divinas, como divindades mesmo, os milésios, por seu lado, compreenderam-nos não como personagens míticas, e nem tampouco como realidades concretas; para eles, os elementos consistiam em forças eternas, ativas, hieráticas (sagradas) e, ainda assim, completamente naturais. Desta maneira, conforme Vernant, aquilo mesmo que faz com que a roupa seque ao sol ou que provoca as chuvas, enquanto natureza, presente no cotidiano dos seres humanos, é também princípio primordial de todas as coisas.
Os antigos costumavam denominar esses quatro elementos com os mesmos nomes das substâncias distintas existentes no universo, encontradas em estado puro ou quase puro na natureza: fogo, água, terra e ar.
Freqüentemente, é assim que vemos os próprios jônios expressando-se com relação aos seus elementos primordiais. Porém, podemos ouvi-los referindo-se a eles de uma maneira ainda mais abstrata, como O quente, O úmido, O seco e O frio. O fogo teria deixado de ser, para eles, aquela “substância” incandescente, a chama, e teria outro significado, o de calor, de quentura. Esta qualidade, mais abstrata que o próprio fogo, engloba o fogo e explica o aquecimento das coisas, quando nelas o fogo não pode ser observado. O corpo humano, por exemplo, produz e emite calor; isto é: o corpo do homem é quente porque O quente faz com que ele seja assim. O mesmo deve ser dito sobre os demais elementos.
 Podemos perceber que o cotidiano, com a formulação dos jônios, os quais o transcreveram para uma linguagem mais próxima da vida, despojou-se do mistério que o mito fazia questão de conservar. Agora, se a natureza contém algum mistério, cabe à razão desvendá-lo, pois o constitutivo do universo tornou-se acessível à inteligibilidade, tendo-se tornado phýsis. Para os physikoí, como os denominava Aristóteles, tudo o que é real é natureza. Não temos de buscar a verdade para além da natureza, mas nela mesma. Para promover esta modificação, não foi necessário condenar os deuses ao exílio; não se fez necessária a metamorfose do homem, grego de religioso que era em ateu. Ele continuou a crer em seus deuses, mas começou a crer, também, na sua própria racionalidade, em sua capacidade de explicar o inexplicável. Descobriu-se, com o surgimento da filosofia, que o mundo uno pode ser dividido metodologicamente em duas partes, somente para poder ser melhor compreendido. A primeira, a parte que guiava a areté, a virtude, padrão ético da sociedade, era uma parte que mantinha o homem ligado a seus ancestrais e não lhe permitia esquecer-se da emocionalidade de pertencer à descendência de nobres mortais e imortais; em outros termos, o vínculo que o homem manteve com sua religiosidade correspondia à necessidade de determinar sua identidade, que é aquela que concede uma nova dimensão ao homem, fazendo-o um investigador, tornando-o uma consciência produtiva, inventiva, que deseja conhecer-se e a tudo que  cerca, exclusivamente a partir de sua curiosidade e de sua capacidade de raciocinar. Para os jônios, a phýsis, essa força de vida e movimento, continha em si a verdade de si mesma, que necessitava ser descoberta.
Bem longe da Jônia, lá na Magna Grécia, não se sabe o motivo, a filosofia começou de modo completamente diferente. Na cidade de Eléia, Parmênides e seu discípulo Zenão recebiam com insatisfação a notícia de que o mundo é um fluxo ininterrupto e de que o ser primordial, sem deixar de ser ele mesmo, tomava múltiplas formas. Perdiam muitas horas imaginando como era possível, por exemplo, à água transformar-se em pedra ou ao fogo tornar-se árvore. Mais absurda que isto parecia ser a mobilidade absoluta do elemento primordial. “Como pode o verdadeiro, a cada momento, ser diferente de si mesmo?” Esta era a grande questão que levava os homens de Eléia a procurar um sistema racional capaz de lançar em descrédito a mudança. O que os eleatas queriam era encontrar a estabilidade por detrás da mutabilidade. Ora, deveria haver alguma coisa sempre igual a si mesma que garantisse a continuidade da transformação. Segundo estes eleatas, cujo pensamento era antagônico ao dos jônios, o homem era possuidor de um corpo e de uma alma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que na Antiguidade, todas as coisas relacionadas à natureza, surgimento do Universo eram explicadas com um Mito com o objetivo de explicar ao povo o surgimento de tudo. Esses mitos muitas vezes eram de cunho moralista, para que o povo tivesse temor aos deuses, e guardasse a moral do bom costume.
Só que com o nascimento da Filosofia, na Grécia, marcou o começo de um pensamento científico, ou seja, tentava substituir a ideologia sustentada pelo mito, que era explicado por hipóteses. A Filosofia fundamenta-se da racionalidade (razão) e essa razão se libertou do mito, procurando o verdadeiro, separando-a de ilusões sucessivas.
O filósofo não parece mais interessar por um relato fantasioso e tão distante do mundo em que vive. Ele prefere buscar aqui neste mundo, as causas próprias do mundo.
Em oposição àquilo que refere uma notícia que sabemos somente graças a uma simples narração, “ciência” é o saber que repousa sobre a fundamentação e a prova. Percebe-se que “com o tempo, as duas palavras passaram a ser utilizadas em oposição: uma, dado o uso associado à épica, passou a designar as narrativas sobre os deuses; outra passou a ser usada para designar a palavra do filósofo que, em oposição à narrativa sagrada, é objeto de reflexão e, eventualmente, até de comprovação. Desvincula-se, assim, a palavra que discorre acerca do ser e das coisas, a palavra-movimento, da palavra que simplesmente narra à história dos deuses como um fim em si mesmo”.
Considerando o que foi exposto acima, concluímos que não se pode pensar que há oposição de sentido entre esses termos, pois tanto os lógos, os mýthos podem ser portadores da Verdade (aléthea).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofia. Ática. São Paulo, 2000. Disponível em api.ning.com/files. Acesso em 13 de Janeiro de 2010.
GONÇALVES, Ricardo. Do Mito à Razão: Uma possibilidade de leitura. In: Integração Ensino-Pesquisa-Extensão. São Paulo, 1997, PP 268-74. Disponível em www.gtantiga.net. Acesso em 13 de Janeiro de 2010.
KELEMAN, Stanley. Mito e corpo: uma conversa com Joseph Campbell. Tradução Denise Maria Bolanho. São Paulo. Summus, 2001. Disponível em books.google.com.br/books. Acesso em 13 de Janeiro de 2010.
VERNANT, Jean Pierre. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de psicologia histórica. Tradução Haiganuch Sarian. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1990.










[1] Acadêmica do curso de Letras Português – 5º Período- Universidade Federal do Acre- UFAC.
                

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