ANÁLISE
DO POEMA QUASE DE MARIO DE SÁ-CARNEIRO
Autora
Adriana
Alves de Lima – 5º período de Letras Português
Universidade
Federal do Acre - UFAC
- Introdução
A análise do poema “Quase” de
Mario de Sá-Carneiro faz parte de “Dispersão” (1914) que, juntamente com
“Indícios de Oiro” (1937) e “Poesias” (1946), constituem a obra poética de
Mário de Sá-Carneiro. Este escritor, nascido em Lisboa em 19 de Maio de 1890,
principiou a sua carreira individual como contista (Princípio, 1912, A Confissão
de Lúcio, 1914, Céu em Fogo, 1915). Em 1913, em Paris, descobre o
seu veio lírico. Vai tornar-se um dos três mais importantes poetas modernistas
portugueses, com Pessoa e Almada Negreiros, e um excelente poeta,
independentemente da geração do Orpheu. Foi ele realmente um dos mentores,
fundador e até financiador (com o dinheiro de seu pai enviado para Paris) das
duas revistas Orpheu publicadas em 1915, aventura em que teve a companhia de
Luís de Montalvor, Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Ronald de Carvalho.
Nos princípios do séc. XX, em plena Grande-Guerra ,
recebiam-se influências de toda a Europa e estes jovens artistas e escritores,
alguns deles vivendo em Paris, como Mário de Sá Carneiro, traziam as novidades
literárias e, sobretudo plásticas do futurismo e correntes afins. Com a Orpheu
procuraram fugir ao conservadorismo da época, em Portugal, e ansiavam agitar as
inteligências e as sensibilidades dos “lepidópteros” - termo usado por
Sá-Carneiro para designar aqueles que estavam na retaguarda artística ou
cultural, em confronto com a modernidade, aqueles que viviam da luz alheia,
cativos dela como borboletas. Na Orpheu publicaram as suas peças de escândalo:
poesias sem metro em que pretendiam revelar as profundezas do inconsciente sem
passar pelo crivo da razão, como era o caso da poesia automática, não
corrigida, de pendor surrealista. A publicação da revista desencadeou uma onda
de violência e os seus autores eram apontados a dedo nas ruas e chamados
“poetas paranóicos”.
Na Orpheu revelaram-se
tendências várias, que vão desde a permanência do simbolismo e do decadentismo
de Eugênio de Castro e António Nobre, até às mais inovadoras como o futurismo.
Sá-Carneiro vai revelar várias destas tendências na sua obra.
"Manucure", um dos poemas escolhidos para o TriploV, é o mais eloqüente
manifesto do futurismo em Portugal, centrado naquilo a que hoje chamamos
"fonts", e que ele certamente adoraria ver em movimento - são os
recursos de uma nova arte que ele explora sem ter praticado, a publicidade,
tornada profissão nova, que já Almada Negreiros exerceu, nos seus conhecidos
cartazes de cinema.
2. Objetivos
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A análise tem por objetivo mostrar
como uma nova forma de poesia se anunciava nessa época, e como as primeiras
manifestações dessa nova poesia, não eram bem aceitas na sociedade que aprova
ou reprova os poemas. Para tal interpretação, o título do poema será de suma
importância (Quase: advérbio, aproximadamente, pouco menos). Assim, temos
também por objetivo, interpretar a poesia, com as novidades literárias, mas uma
poesia sem metro em que pretendia revelar as profundezas do inconsciente.
3. Desenvolvimento
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No poema de Mario de
Sá-carneiro, pode-se perceber o que é quase? É um advérbio, aproximadamente.
Pouco menos, aquilo que não deu certo, algo que ficou inacabado, ou que por
pouco não deu certo. Um sonho, um desejo que não
se consolidou.
Tendo como vocábulo-chave o advérbio quase, exposto já no título, o
poema configura essa dor através de um eu lírico que ocupa uma posição
existencial intermediada por dois pólos opostos: o além, representando o desejo
de atingir um ideal, e o aquém, expressando a frustração desse desejo. Outras
temáticas igualmente recorrentes na poética de Mário de Sá-Carneiro ocupam
espaço em nossa análise, a exemplo do forte egocentrismo, da presença do mito
de Ícaro e do intenso cromatismo.
Nessa
primeira estrofe percebe-se que o eu - lírico faz referências ao mito de Ícaro,
este impulsionado pela alegria da liberdade, esqueceu que suas asas eram feitas
de cera e que não podia chegar tão perto do sol, que quase virou brasa.
Um pouco mais de azul -
eu além, a felicidade, de sentir-se liberto é tão empolgante,
que vôo ao azul do céu, este foi tão longe que quase era além
Pra atingir, faltou-me um
golpe de asa.
Essa
intextualidade nos remete novamente ao mito de Ícaro que ao atingir uma
determinada altura chegou tão longe que sua asa feita de cera ao chegar
perto
do sol derreteu e mesmo caiu.
Ou
seja, no poema quase o eu – lírico se revela como alguém que nunca se realiza,
e no momento que quase este atinge o
que quer acaba sendo interrompido.
Na
segunda estrofe o eu – lírico fica na dúvida, sem saber se tudo é
Assombro ou paz? Porque
ao mesmo tempo em que este atinge o auge, sente a paz por causa da liberdade,
mas é tomado pelo assombro ao cair.
Em vão... Tudo esvaído...
Ou
seja, tudo o que este fez foi em vão, pois está vendo tudo se esvaindo, se
esvaziando, se desfazendo, como em um
Num
baixo mar enganador d’ espuma, observa-se a metáfora o mar um substantivo com o
adjetivo de enganador d’ espuma.
O
que é espuma? Temos a impressão que é algo fofinho, confortável.
E
o grande sonho despertado em bruma
O
grande sonho – Ó dor – quase vivido.
Quando o eu – lírico se
desperta do grande sonho de sentir-se livre, esse grande sonho causa dor,
porque este foi quase vivido, não chega a se realizar, porque não se
concretizou, assim como no mito de Ícaro, no momento que ela se liberta do
labirinto, ele fica tão empolgado que esquece dos conselhos do pai, de que não
pode chegar perto do sol, e ao ver suas asas derretidas, o seu sonho quase se
realiza.
Quase
o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase
o princípio e o fim – quase a expansão...
Mas
na min’h alma tudo se derrama...
Entanto
nada foi só ilusão!
Percebemos que o eu-
lírico se confunde com o biográfico do autor, quase amor porque nunca se
realizou amorosamente, nunca casou, não constituiu uma família, quase triunfo
porque não conseguiu alcançar o sucesso profissionalmente, porque desistiu da
faculdade se dedicando a vida boêmia.
Há no verso seguinte uma
intextualidade com a bíblia como no princípio “era o verbo, e o verbo se fez
carne” e o mesmo Deus prevê o fim. É como se Mario previsse a morte.
Mas
na minh’alma tudo se derrama
Como sabemos depois que a
alma se esvazia, não tem mais nada. Mesmo disnte disso o verso posterior ele
diz:
Entanto
nada foi ilusão.
Mesmo sabendo as
conseqüências da morte, do suicídio
Nada
foi ilusão!
De
tudo houve um começo... e tudo errou...
-
Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... –
Como este sentia dor de
nunca ter se realizado, de sempre ser só
quase, isso é frustrante, querer conquistar algo e nunca conseguir, ter que
se conformar só com o quase, só com a possibilidade de tentar e nunca
conseguir, de se sentir fracassado, como se fosse incapaz de alcançar a
liberdade, se preparar, mas não voar, não conseguir.
Eu
falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa
que se elançou mas não voou....
Ao contrário de Ícaro,
que voa, e mesmo sem ter sucesso, este conseguiu se libertar, mesmo que tenha
sido pela morte. Esta pode ser um meio de libertação, sendo que este conceito
vai contra os dogmas da igreja. Até porque o conceito que temos de quem se mata
é que vai para o inferno.
Em "Quase",
como em outros poemas, aparece à problemática do Eu e do Outro, típica da
modernidade (“Je est un autre”, como diz Rimbaud), a que não é alheia também a
heteronímia pessoana – a descoberta de que “eu” é outra pessoa, de que não nos
conhecemos realmente. A cisão entre Eu e o Outro, embora seja comum à geração
do Orpheu, neste poeta ultrapassa o domínio da filosofia para se tornar um
drama pessoal, experimentado na vivência quotidiana. É ele o motivo central da
sua obra, manifesto na crise de personalidade, na inadequação do sentimento ao
que desejaria sentir. Maria Ema Tarracha Ferreira perfilha idéia próxima:
"Quase é talvez o poema de Sá Carneiro que melhor exprime a
obsessão do fracasso da existência, sugerindo simultaneamente a vivência ideal
através de símbolos e de processos postos em voga pelos decadentistas”.[1]
Com efeito, em “Quase”
manifesta-se este abismo entre o sentimento do que o poeta julga ser e a
incapacidade de alcançar o que deseja agravado pela circunstância de pouco ter
faltado para lá chegar. A primeira e última quadras constituem uma chave que
explica o motivo da desilusão enunciada no corpo do texto: só por lhe faltar
esse “quase” não conseguiu ser feliz, só por um nada julga não ter chegado a
onde o sonho o levou. Pouco faltou para ter vivido o amor e a plenitude, tão
grande esta que, a alcançá-la, teria transcendido a condição humana para se
confundir com o céu e suas divindades - “Um pouco mais de azul – eu era além”.
Daí o lamento obsessivo, pois quem não deseja não sofre: “Se ao menos eu
permanecesse aquém...”. Aquém de quê? – aquém do “grande sonho”, e com ele do
assombro, da paz, do amor, do triunfo, da paixão, do princípio e do fim, da
expansão. Que lhe faltou para chegar onde queria? - não desbaratar os momentos
de alma, faltou-lhe pôr altar nos templos adequados, faltou-lhe levar os rios
ao mar.
O que domina é o
sentimento de não ter cumprido o seu destino. Destino de que, dentro de si,
apenas encontra “indícios”. É como se estivesse fechado dentro de si mesmo sem
poder chegar ao absoluto - “Ogivas para o sol – vejo-as cerradas”. Porquê tão
infeliz? - “faltou-me um golpe de asa”, não foi capaz de chegar lá, estando tão
perto. É um drama real, construído como um poema. O drama de ser um falhado na
vida, o drama de todas as gerações que se consideram perdidas.
Poderá a biografia
explicar tanta amargura? É preciso distinguir a biografia do poeta e a
biografia do autor.
Órfão de mãe com dois
anos, Mário de Sá-Carneiro foi criado com uma ama em Camarate. O pai,
militar ausente, cerca-o de cuidados e de bens materiais. A sua educação é
considerada pouco completa, não tendo tido, ao contrário da prática corrente na
época, uma formação religiosa. Fez o liceu em Lisboa que completou já com 21
anos. Seguiu para Coimbra para cursar Direito, mas desistiu, como aconteceu em
Paris quando entrou para a Sorbonne, em 1913. Aqui viveu, sempre recorrendo à
bolsa paterna, até a sua morte em 26 de Abril de 1916. Durante estes três anos
voltará por duas vezes a Lisboa. É nestes períodos de alguns meses que dirige
com Pessoa a revista Orpheu.
Maria Estela Guedes, de
cuja antologia extraímos os poemas de Mário de Sá-Carneiro, não aceita a ideia
de que a biografia do poeta justifique a sua temática nem adota posições
biografistas no entendimento da obra. O que os poemas espelham, na sua maneira
de ver, é uma outra história de vida, criada como obra literária e vivida como
real: “Um punhado de acontecimentos numa curta vida; poucos, não pela vida
curta mas porque ele se afastava dela. A sua biografia psíquica é bem mais
complexa e rica. (...) da vida do poeta só restam palavras; foi disso que se
alimentou. (...) A sua obra roça pelo Além num repúdio evidente do Aquém. Não
há grandes fronteiras entre realidade e imaginário, como se o poeta fosse uma
criação literária. (...) é interessante e enriquecedor como experiência
conhecer a desproporção entre homem e obra.” [2]
Pensando na falência de
"Quase" e na sua superação literária, nota-se que de fato há um
abismo entre o que o poeta pensava ou deixou expresso nos poemas e o que a
História lhe reservou. Sá-Carneiro, frustrado e infeliz, acabou por pôr fim à
vida, em Paris, no quarto de hotel em que vivia, três anos depois de o ter
escrito, quando ainda nem 26 anos completara. Um poema que o autor considera
falhado com toda a sua vida, quando é dos mais belos da literatura portuguesa,
assim como quase todos os da sua obra. Para os leitores, para o consenso
literário, a contradição é por isso profunda: longe de não ter alcançado o que
desejava, longe de lhe ter faltado só um quase para chegar ao seu destino,
Mário de Sá-Carneiro voou muito para além do que sonhou.
A sua obra é plena, grande, de uma beleza deslumbrante.
A sua obra é plena, grande, de uma beleza deslumbrante.
- Considerações
finais
O poema sendo compreendido como uma quebra com o pré-
estabelecido e além do anúncio do suicídio. É possível observar a crise
existencialista pelo qual o autor passava e as conturbações, e os versos como
estes entrelaçam impressões, cujo movimento não se resolve ao fim, permanece um
enigma.
- Referências
Bibliográficas
ALMEIDA, Paulo Roberto de. A parábola de Ícaro. Disponível
em:
http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1346IcaroParabola.html. Acesso em: 11 de Junho de 2010
FERREIRA, Maria Ema Tarracha – Mário de Sá-Carneiro, Poesias. Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, Lisboa, 2000.
GUEDES, Maria Estela - Obra Poética de Mário de Sá-Carneiro. Colecção Poetas, Editorial Presença, Lisboa,1985.
PAIXÃO, Fernando. Mário de Sá-Carneiro: O rodopio das imagens poéticas. 2ª Ed.
Iluminuras. São Paulo, 2001.
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